quarta-feira, 9 de abril de 2014

Novação

Conceito
Dá-se a novação quando, por meio de uma estipulação negocial, as partes criam uma nova obrigação, a substituir e extinguir a obrigação anterior.
Trata-se no dizer de RUGGIERO, “de um ato de eficácia complexa, que repousa sobre uma vontade destinada a extinguir um crédito pela criação de um novo”.
O que se deve salientar é que toda a novação tem natureza jurídica negocial. Ou seja, por princípio, nunca poderá ser imposta por lei, dependendo sempre de uma convenção firmada entre os sujeitos da relação obrigacional. Nesse sentido, pois, podemos afirmar não existir, em regra “novação legal” (determinada por imperativo da lei).
Convencionada, portanto, a formação de uma outra obrigação, a primitiva relação jurídica será considerada extinta, sendo substituída pela nova. Aí, então, teremos o fenômeno novatório.

Requisitos
A novação para se caracterizar, deverá conter os seguintes requisitos:

a) a existência de uma obrigação anterior: só se poderá efetuar a novação se juridicamente existir uma obrigação anterior a ser novada. Ressalte-se, porém, que se a obrigação primitiva for simplesmente anulável, essa invalidade não obstará a novação. Ora, se o ato anulável pode ser confirmado, nada impede que a relação obrigacional aí compreendida seja extinta, a substituída por uma outra, por meio da novação. Tal não será possível se a obrigação inicial for nula ou estiver extinta.

b) a criação de uma nova obrigação, substancialmente diversa da primeira: este é um requisito que deve ser estudado com atenção. A novação consiste na convenção pactuada entre os sujeitos da relação obrigacional, no sentido de criarem uma nova obrigação, destinada a substituir e extinguir a anterior. Dessa forma, a criação de uma “obrigação nova” é requisito indispensável para a caracterização da novação. Mas apenas isso não basta. É preciso, pois, que haja diversidade substancial entre a obrigação antiga e a nova. Em outras palavras, o conteúdo da obrigação há que ter sofrido modificação substancial, mesmo que o objeto da prestação não haja sido alterado (se houver alteração das partes, por exemplo, poderá ser reconhecida a diversidade substancial necessária para se caracterizar a novação, mesmo que o objeto da obrigação permaneça o mesmo). Aliás, simples modificações setoriais de um contrato não traduzem novação. Assim, quando a instituição financeira apenas concede o parcelamento da dívida, aumenta o prazo para pagamento, ou recalcula a taxa de juros aplicada, não necessariamente estará realizando uma novação. Até porque, nesses contratos de refinanciamento, é muito comum a existência de cláusula expressa no sentido de afastar o reconhecimento da novação se qualquer dessas hipóteses ocorrer. Não basta, pois, a concessão de um prazo mais favorável ou a simples alteração de uma garantia. Para “novar”, as obrigações devem ser substancialmente diversas.

c) o ânimo de novar (animus novandi): este é o requisito anímico (subjetivo) da novação. Para que este se configure, portanto, é indispensável que as partes tenham o propósito de novar. Aliás, “ausente o animus novandi, não se configura a novação, porque não desaparece a obrigação original. O ânimo de novar se verifica na declaração das partes, ou resulta de modo inequívoco de obrigações incompatíveis. Por isso não haverá necessariamente novação se as partes acordarem a substituição do objeto da obrigação, sem que haja prova do ânimo de novar. É o que prevê o art. 361 do CC:

Art. 361. Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira.

Em verdade, não foi muito técnico o legislador, ao dizer que “a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira”. Para melhor entendimento é preferível dizer que a declaração de vontade das partes – para modificar algum aspecto do negócio – sem o indispensável intuito de novar, apenas confirma ou reforça a obrigação primitiva.

Finalmente, cumpre-nos observar que, dada a sua natureza negocial – lembre-se de que a novação, em regra, nunca é imposta por lei -, a novação, para ser válida, exige o observância dos pressupostos legais de validade do negócio jurídico, especialmente a capacidade das partes e a legitimação.

Espécies
A doutrina aponta, fundamentalmente, a existência de três espécies de novação:

a) a novação objetiva;
b) a novação subjetiva;
c) a novação mista.

A novação objetiva, modalidade mais comum e de fácil compreensão, ocorre quando as partes de uma relação obrigacional convencionam a criação de uma nova obrigação, para substituir e extinguir a anterior.
Nesse sentido dispõe o art. 360, I, do CC:

Art. 360. Dá-se a novação:
I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;

Assim, por exemplo, haverá novação objetiva quando credor e devedor acordarem extinguir a obrigação pecuniária primitiva, por meio da criação de uma nova obrigação, cujo objeto é a prestação de um serviço.
Ressalte-se que não há obrigatoriedade de que a obrigação primitiva seja pecuniária, sendo irrelevante tratar-se de obrigação de dar, fazer ou não fazer.
Não se deve, também, confundir a novação objetiva com a dação em pagamento. Nesta, a obrigação originária permanece a mesma, apenas havendo uma modificação do seu objeto, com a devida anuência do credor. Diferentemente, na novação objetiva, a primeira obrigação é quitada e substituída pela nova.

A novação subjetiva, por sua vez, dada a sua similitude com outras figuras jurídicas, merece atenção redobrada.
Dá-se a novação subjetiva em três hipóteses:
a) por mudança de devedor – novação subjetiva PASSIVA;
b) por mudança de credor – novação subjetiva ATIVA;
c) por mudança de credor e devedor – novação subjetiva MISTA.

A novação subjetiva passiva ocorre quando um novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor. (art. 360, II, do CC).

Art. 360. Dá-se a novação:
(...)
II – quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;

Constata-se, pois, haver uma alteração de sujeitos passivos na relação obrigacional, de forma que a primitiva obrigação é considerada extinta em face do antigo devedor, substituído pelo novo.
Segundo a doutrina, a novação subjetiva passiva poderá ocorrer de dois modos: por expromissão e por delegação.
No primeiro caso, a substituição do devedor se dá independentemente do seu consentimento, por simples ato de vontade do credor, que o afasta, fazendo-o substituir por um novo devedor (art. 362 do CC).

Art. 362. A novação por substituição do devedor pode ser efetuada independentemente de consentimento deste.

Imagine a hipótese de um filho abastado, angustiado pela vultuosa dívida contraída pelo seu pobre pai, dirigir-se ao credor, solicitando-lhe que, mesmo sem o consentimento de seu genitor (homem orgulhoso e conservador), admita que suceda ao seu pai, na obrigação contraída.
Observe-se que a obrigação contraída pelo segundo devedor será considerada nova em face da primeira, que se reputará liquidada, afastando-se da relação obrigacional o primitivo devedor, mesmo sem seu consentimento.
Poderá, também, ocorrer a novação subjetiva passiva por meio da delegação. Nesse caso, o devedor participa do ato novatório, indicando terceira pessoa que assumirá o débito, com a devida aquiescência do credor. Assim, participam da delegação: o antigo devedor (delegante), o novo devedor (delegado), e, finalmente, o credor (delegatário). De tal forma, excluído o antigo devedor, perante este a obrigação será considerada extinta.
Não há que se confundir, todavia, a novação subjetiva passiva – principalmente por delegação – com a mera cessão de débito, uma vez que, neste caso, o novo devedor assume a dívida, permanecendo o mesmo vinculo obrigacional. Não há, aqui, portanto, ânimo de novar, extinguindo o vínculo anterior.
Da mesma forma, a novação subjetiva passiva não se confunde com o pagamento por terceiro – interessado ou desinteressado. Neste, a dívida é o mesmo conteúdo objetivo, mas com diversidade substancial no polo passivo, extinguindo-se a relação obrigacional primitiva.
Na novação subjetiva, se o devedor for insolvente, não tem o credor que o aceitou, nos termos do art. 363 do CC, ação regressiva contra o primeiro devedor, salvo se este obteve por má-fé a substituição.

Art. 363. Se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição.

Entretanto, como já dito, a alteração poderá se dar no polo creditório da relação jurídica obrigacional, hipótese em que estaremos diante de uma novação subjetiva ATIVA (por mudança de credores).
Tendo em vista esta possibilidade, o art. 360, III, do CC, dispõe:

Art. 360. Dá-se a novação:
(...)
III - quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.

Exemplo muito comum de incidência deste regra é apontado pela doutrina: imagine que A tem um devedor, B, e um credor C. Pois bem. Nada impede que, por meio de uma novação subjetiva ativa, A acerte com B para que este pague a C. No caso, verifica-se ter havido mudança de credores na relação obrigacional: sai o credor A, e entra o credor C, a quem B deverá pagar a dívida. Note-se, todavia, que, para se considerar extinta a obrigação perante A (credor primitivo), deverá haver prova do ânimo de novar.
Vale dizer, é muito mais comum haver mudança de credores, por meio da transmissão do crédito, entre o credor primitivo (cedente) e o novo credor (cessionário). Atente-se, todavia, para o fato de que, na cessão de crédito, a obrigação permanece a mesma, não havendo, portanto, extinção ou liquidação da relação jurídica primitiva, o que é extremamente relevante, por exemplo, em função da contagem do prazo prescricional para a exigibilidade judicial da pretensão, que, na novação, pelo fato de ser constituída nova obrigação, deve necessariamente ser reiniciado.
Finalmente, temos a novação subjetiva mista, de ocorrência bem mais rara, que se verifica quando ambos os sujeitos da relação obrigacional são substituídos, em uma incidência simultânea dos incisos II e III do art. 360 do CC.
 Por fim, é possível ocorrer a chamada novação mista, incidente quando, além da alteração de sujeito (credor ou devedor), muda-se o conteúdo ou o objeto da relação obrigacional.
Um bom exemplo, de razoável plausibilidade, é encontrado na doutrina: “o pai assume dívida em dinheiro do filho (mudança de devedor), mas com a condição de pagá-la mediante a prestação de determinado serviço (mudança de objeto).

Efeitos
O principal efeito da novação é liberatório, ou seja, a extinção da primitiva obrigação, por meio de outra, criada para substituí-la.
Em geral, realizada a novação, extinguem-se todos os acessórios e garantias da dívida (a exemplo da hipoteca e da fiança), sempre que não houver estipulação em contrário (art. 364, primeira parte, do CC).  Aliás, quanto a fiança, o legislador foi mais além, ao exigir que o fiador consentisse para que permanecesse obrigado em face da obrigação novada (art. 366 do CC). Quer dizer, se o fiador não consentir na novação, estará consequentemente liberado.
Da mesma forma, a ressalva de uma garantia real (penhor, hipoteca ou anticrese) que tenha por objeto bem de terceiro (garantidor da dívida) só valerá com a anuência expressa deste (art. 364, segunda parte, do CC).
Finalmente, ocorrida a novação entre o credor e um dos devedores solidários, o ato só será eficaz em face do devedor que novou, recaindo sobre o seu patrimônio as garantias do crédito novado, restando, por consequência, liberados os demais devedores (art. 365 do CC). Obviamente, se a novação implica a constituição de uma nova obrigação para substituir e extinguir a anterior, somente o devedor que haja participado deste ato suportará as suas consequências.

Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol. 2: obrigações / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – 13 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 221 - 231.

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