sábado, 15 de março de 2014

Condições Subjetivas do Pagamento

De quem deve pagar
Não é apenas o devedor que está legitimado para efetuar o pagamento. Em primeiro plano o sujeito passivo da relação obrigacional é o devedor, ou seja, o pessoa que contraiu a obrigação de pagar. Entretanto também poderá solver o débito pessoa diversa do devedor – o terceiro – esteja ou não juridicamente interessada no cumprimento da obrigação (art. 304 do CC).

Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.

Existem duas espécies de terceiro:

a) Terceiro interessado – pessoa que, sem integrar o polo passivo da relação obrigacional-base, encontra-se juridicamente adstrita ao pagamento da dívida, a exemplo do fiador que se obriga ao cumprimento da obrigação caso o devedor não o faça.

b) Terceiro não interessado – pessoa que não guarda vinculação jurídica com a relação obrigacional-base, por nutrir interesse meramente moral. É o caso do pai que paga a dívida o filho maior ou do amigo que honra o débito de seu compadre.

Em tais casos duas situações podem ocorrer:

a) O terceiro não interessado paga a dívida em nome e a conta do devedor – neste caso, não tem, a priori, o direito de cobrar o valor que desembolsou para solver a dívida, uma vez que o fez por solidariedade.

b) O terceiro não interessado paga a dívida em seu próprio nome – neste caso tem o direito de reaver o que pagou, embora não se sub-rogue do direitos do credor.

É necessário uma importante observação. Não é algo muito comum alguém se predispor a pagar dívida de outrem.
Por isso, o direito não ignora que pessoas movidas por razões egoísticas, poderão valer-se da legitimidade conferida a terceiro não interessado para se tornarem credoras do devedor, piorando a situação econômica destes.
Para evitar tal situação o Código Civil de 2002 reconhece ao devedor a faculdade de opor-se ao pagamento da dívida por terceiro, quando houver justo motivo para tanto:

Art. 306. O pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação.

A quem se deve pagar
Segundo a legislação em vigor, o pagamento poderá ser feito a seguintes pessoas:

a) Credor;
b) Representante do credor;
c) Terceiro.

É o que prevê o art. 308 do CC-02.

Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.

Em primeiro plano, o pagamento deve ser feito ao próprio credor (accipiens), sujeito ativo titular do crédito. Nada impede, outrossim, que o devedor se dirija a um representante legal ou convencional do credor, para efetuar o pagamento. Tal ocorre quando o pai, representante legal do filho, recebe numerário devido a este, em virtude de um crédito existente contra terceiro. Da mesma forma, o credor pode, por meio da representação convencional ou voluntária, outorgar poderes para que o seu procurador possa receber o pagamento e dar quitação.
Pode ocorrer que uma pessoa – diversa do credor e sem poderes de representação – apresente-se ao devedor e receba o pagamento. Nesse caso, se o devedor não tomou as cautelas necessárias, efetuando o pagamento para um sujeito qualquer, poderá sofrer as consequências de seu ato, traduzidas pelo ditado “quem paga mal, paga duas vezes”. O direito não socorre os negligentes (dormientibus ne sucuriti jus), e, no caso, se não cuidou de investigar a legitimidade do recebedor, poderá ser compelido a pagar novamente ao verdadeiro credor.
No caso de pagamento feito a terceiro, ressalva a lei, todavia, a possibilidade de o credor ratificá-lo ou reverter em seu proveito o pagamento recebido, conforme a art. 310 do CC.

Art. 310. Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu.

Assim, se A, devedor de B, paga a dívida a C, terceiro sem poderes de representação, o pagamento só valerá se for ratificado (confirmado) por B, verdadeiro credor, ou, mesmo sem confirmação, se houver revertido em seu próprio o proveito (ex: o devedor prova que o credor recebeu o dinheiro do terceiro e comprou um carro).
Consoante bem declara SILVIO VENOSA:
Para a estabilidade das relações negociais, o direito gira em torno de aparências. As circunstâncias externas, não denotando que o portador da quitação seja um impostor, tornam o pagamento válido: ‘considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da quitação, exceto se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultantes (art. 311, CC)’.
Situação especial de pagamento feito a terceiro é aquele efetuado a credor aparente ou putativo.
Trata-se da pessoa que se apresenta como sujeito ativo da relação obrigacional (sujeito passivo do pagamento), não havendo razão plausível para o devedor desconfiar de sus ilegitimidade.
Tendo em vista tal situação o Código Civil dispõe em seu art. 309 que:

Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda que provado depois que não era credor.

Requisitos indispensáveis para a validade do pagamento ao credor putativo (aparente) são:

a) a boa-fé do devedor;
b) a escusabilidade de seu erro.

Por óbvio, a lei exige, para que o pagamento seja admitido, que o devedor haja atuado de boa-fé, ou seja, não possa supor, ante as circunstâncias de fato, que a pessoa que exige o pagamento não tem poderes para tanto.
A boa-fé, no caso, é subjetiva, um estado psicológico de firme crença na legitimidade daquele que se apresenta ao devedor.
É indispensável, também, embora não seja a lei explícita a respeito, que o erro em que laborou o devedor seja escusável (perdoável). Se tinha motivos para desconfiar do impostor, deverá evitar o pagamento, depositando-o em juízo, se for o caso.
Ainda pensando na hipótese do pagamento feito a terceiro é possível que o credor seja credor do credor, quando for penhorado o crédito, com a devida intimação do devedor de que o débito está em juízo.

Art. 312. Se o devedor paga ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da impugnação a ele oposta por terceiros, o pagamento não valerá contra estes, que poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe ressalvado o regresso contra o credor.

Assim, por exemplo, se A deve a B a importância de 1.000,00, temos que tal crédito pode ser penhorado pelos credores de B. Nesse caso, se C obtém a constrição judicial (penhora) de tal crédito e, mesmo assim, A, ciente dela, paga a importância diretamente a B, temos a aplicação da regra “quem paga mal, paga duas vezes”.


Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol. 2: obrigações / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – 13 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 150 - 161.

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