Período:
20 de fevereiro a 2 de março de 2016.
Súmulas
SÚMULA
N. 321 (CANCELADA)
O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus
participantes. Segunda Seção, cancelada em 24/2/2016, DJe 29/2/2016.
SÚMULA
N. 563
O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos
contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas. Segunda Seção,
aprovada em 24/2/2016, DJe 29/2/2016.
SÚMULA
N. 564
No caso de reintegração de posse em
arrendamento mercantil financeiro, quando a soma da importância antecipada a
título de valor residual garantido (VRG) com o valor da venda do bem
ultrapassar o total do VRG previsto contratualmente, o arrendatário terá
direito de receber a respectiva diferença, cabendo, porém, se estipulado no
contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos pactuados. Segunda
Seção, aprovada em 24/2/2016, DJe 29/2/2016.
SÚMULA
N. 565
A pactuação das tarifas de abertura de
crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo
fato gerador, é válida apenas nos contratos bancários anteriores ao início da
vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008. Segunda Seção, julgado
em 24/2/2016, DJe 29/2/2016.
SÚMULA
N. 566
Nos contratos bancários posteriores ao
início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser
cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a
instituição financeira. Segunda Seção, julgado em 24/2/2016, DJe 29/2/2016.
SÚMULA
N. 562
É possível a remição de parte do tempo de
execução da pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto,
desempenha atividade laborativa, ainda que extramuros. Terceira Seção, aprovada
em 24/2/2016, DJe 29/2/2016.
SÚMULA
N. 567
Sistema de vigilância realizado por
monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de
estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do
crime de furto. Terceira Seção, aprovada em 24/2/2016, DJe 29/2/2016.
Recursos
Repetitivos
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. COMPROVAÇÃO DA TEMPESTIVIDADE DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE VISTA PESSOAL DA FAZENDA NACIONAL. RECURSO
REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. STJ N. 8/2008). TEMA 651.
O termo de abertura de vista e remessa dos autos à Fazenda Nacional
substitui, para efeito de demonstração da tempestividade do agravo de
instrumento (art. 522 do CPC) por ela interposto, a apresentação de certidão de
intimação da decisão agravada (art. 525, I, do CPC). De
fato, determina o art. 525, I, do CPC que o agravo de instrumento deve ser
instruído, "obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão
da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante
e do agravado". A literalidade do artigo em testilha poderia levar à
rápida conclusão de que a referida certidão, como peça obrigatória na formação
do instrumento do recurso de agravo, seria requisito extrínseco sem o qual o
recurso não ultrapassaria, sequer, a barreira da admissibilidade. Entretanto, a
interpretação literal dos dispositivos legais não é, em algumas ocasiões, a
mais adequada, especialmente em se tratando de leis processuais, as quais têm a
finalidade precípua de resguardar o regular exercício do direito das partes
litigantes. Efetivamente, a interpretação das regras processuais, na linha do
pensamento da moderna doutrina processualista a respeito da necessidade de
primazia da finalidade das normas de procedimento, na busca por uma prestação
jurisdicional mais breve e efetiva, deve levar em conta não apenas o
cumprimento da norma em si mesma, mas seu escopo, seu objetivo, sob pena de se
privilegiar o formalismo em detrimento do próprio direito material buscado pelo
jurisdicionado. Assim, para que se decida a respeito da ocorrência ou não de
excesso de formalismo, é preciso, na linha de pensamento acima exposta, atentar
para a finalidade da exigência legal de apresentação da aludida certidão de
intimação que, frise-se, é a verificação da tempestividade do agravo de
instrumento. Dessa forma, sendo possível verificar a referida tempestividade
por outro meio, atingindo-se, assim, a finalidade da exigência formal, deve-se,
em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas, considerar atendido o
pressuposto e conhecer-se do agravo de instrumento. Ademais, os arts. 38 da LC
n. 73/1993, 6º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.028/1995, 20 da Lei n. 11.033/2004 e 25
da Lei n. 6.830/1980 dispõem a respeito das formas de intimação da União,
inclusive, no tocante às execuções fiscais, tendo a Fazenda Nacional a
prerrogativa de ser intimada das decisões, por meio da concessão de vista
pessoal dos autos. Em razão da mencionada prerrogativa, é certo que o prazo
para apresentação de recursos pela Fazenda Nacional tem início a partir da data
em que há a concessão da referida vista pessoal. Por tal motivo, entende-se
que, nos casos em que a Fazenda Nacional figura como agravante, pode a certidão
de concessão de vistas dos autos ser considerada como elemento suficiente da
demonstração da tempestividade do agravo de instrumento, substituindo a
certidão de intimação legalmente prevista. Sob esse prisma, é preciso chamar a
atenção para o fato de que tal tratamento não pode, via de regra, ser
automaticamente conferido aos litigantes que não possuem a prerrogativa de
intimação pessoal, sob pena de se admitir que o início do prazo seja
determinado pelo próprio recorrente, a partir da data de vista dos autos, a
qual pode ser posterior ao efetivo termo inicial do prazo recursal que,
geralmente, é a data da publicação da mesma decisão (EREsp 683.504-SC, Corte
Especial, DJe 1º/7/2013). A propósito, no precedente acima citado, afastou-se a
aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, pois se considerou que
a aposição unilateral de ciente do advogado não goza de fé pública, sendo
insuficiente para aferição da tempestividade do recurso. REsp 1.383.500-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Corte
Especial, julgado em 17/2/2016, DJe 26/2/2016.
DIREITO
TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE PIS E COFINS EM JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. RECURSO
REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. STJ N. 8/2008). TEMA 454.
Não são dedutíveis da base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS o
valor destinado aos acionistas a título de juros sobre o capital próprio, na
vigência da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003. Inicialmente,
destaca-se, para fins tributários, que a única semelhança entre "juros
sobre capital próprio" com "lucro" ou "dividendos" é o
fato deles serem destinações do lucro líquido. Isso porque o tratamento
legislativo que esses institutos recebem é distinto, o que evidencia a diferença
de natureza jurídica entre eles. Por um lado, verifica-se que os lucros ou
dividendos: (a) não estão sujeitos ao imposto de renda na fonte pagadora nem
integram a base de cálculo do imposto de renda de beneficiário (art. 10 da Lei
n. 9.249/1995); (b) não são dedutíveis do lucro real (base de cálculo do
imposto de renda); (c) obedecem necessariamente ao disposto no art. 202 da Lei
n. 6.404/1976 (dividendo obrigatório); (d) têm limite máximo fixado apenas no
estatuto social ou, no silêncio deste, o limite dos lucros não destinados, nos
termos dos arts. 193 a 197 da Lei n. 6.404/1976; e (e) estão condicionados
apenas à existência de lucros (arts. 198 e 202 da Lei n. 6.404/1976). Por outro
lado, observa-se que os juros sobre capital próprio: (i) estão sujeitos à
incidência do imposto de renda na fonte na data do pagamento de crédito a
beneficiário (art. 9º, §2º, da Lei n. 9.249/1995); (ii) quando pagos, são
dedutíveis do lucro real (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/1995); (iii)
podem, facultativamente, integrar o valor dos dividendos para efeito de a
sociedade obedecer à regra do dividendo obrigatório (art. 202 da Lei n.
6.404/1976); (iv) têm como limite máximo a variação da Taxa de Juros de Longo
Prazo (art. 9º, caput, da Lei n. 9.249/1995); e (v) estão
condicionados à existência de lucros no dobro do valor dos juros a serem pagos
ou creditados (art. 9º, §1º, da Lei n. 9.249/1995). Desse modo, ainda que se
diga que os juros sobre o capital próprio não constituam receitas financeiras,
não é possível simplesmente classificá-los, para fins tributários, como
"lucros e dividendos", de modo que não incidem o art. 1º, § 3º, V,
"b", da Lei n. 10.637/2002 e o mesmo dispositivo da Lei n.
10.833/2003. Ademais, não é possível invocar a analogia a fim de alcançar
eventual isenção de crédito tributário (art. 111 do CTN), pois a exclusão dos
juros sobre capital próprio (categoria nova e autônoma) da base de cálculo das
contribuições ao PIS e COFINS dependeria de previsão explícita, a exemplo do
que existe para o imposto de renda (art. 9º da Lei n. 9.249/1995). Ocorre,
aliás, justamente o contrário, na medida em que não faltam exemplos na
legislação tributária de situações em que a inclusão desses valores na base de
cálculo das contribuições ao PIS e COFINS é reafirmada (art. 1º da Lei n.
10.637/2002; art. 1º da Lei n. 10.833/2003; art. 1º do Decreto n. 5.164/2004;
art. 1º, parágrafo único, I, do Decreto n. 5.442/2005; art. 30, parágrafo
único, da Instrução Normativa SRF n. 11/1996). Inclusive, a esse respeito, é
indiferente a classificação contábil dada pela CVM (Deliberação CVM n. 207, de
13/12/1996), porquanto, além de não poder suplantar decreto do Chefe do Poder
Executivo, esse órgão não tem competência para expedir normas complementares em
matéria tributária, atribuição essa exercida pela SRF. Registre-se, por
oportuno, que essas conclusões não estão de modo algum em conflito com as
razões que fundamentaram o REsp 1.373.438-RS (Segunda Seção, DJe 17/6/2014),
julgado sob o rito dos recursos repetitivos, no qual, após investigado o
instituto "juros sobre o capital próprio", concluiu-se pela sua
natureza jurídica sui generis. Na ocasião, foi afirmado que,
ontologicamente, os juros sobre capital próprio são parcela de lucro a ser
distribuída aos acionistas e, apenas por ficção jurídica, a lei tributária
passou a considerá-los juros. Pois bem, em que pese o art. 110 do CTN vedar que
legislação tributária altere a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,
conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis
Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar
competências tributárias, tem-se que os juros sobre capital próprio não são
instituto utilizado pelas Constituições Federal ou Estaduais, ou por Lei
Orgânica. Além disso, não se trata de instituto exclusivo de direito privado,
porque teve origem na própria legislação tributária, especificamente no art.
43, § 1º, "e", do Decreto-Lei n. 5.844/1943 (Dispõe sobre a cobrança
e fiscalização do imposto de renda). Nessa ordem de ideias, tratando-se de
instituto híbrido de Direito Tributário e Direito Empresarial, criado já no
âmbito do imposto de renda como receita tributável, a legislação tributária é
apta a definir seu conteúdo e alcance. Por fim, indubitavelmente, compõem o
conceito maior de receitas auferidas pela pessoa jurídica, base de cálculo das
contribuições ao PIS e COFINS, não havendo exclusão tributária específica para
essa rubrica. Precedentes citados: AgRg nos EDcl no REsp 983.066-RS, Primeira
Turma, DJe 11/3/2011; REsp 1.212.976-RS, Segunda Turma, DJe 23/11/2010. REsp 1.200.492-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel.
para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em
14/10/2015, DJe 22/2/2016.
Primeira
Seção
DIREITO
ADMINISTRATIVO. CARACTERIZAÇÃO DE TORTURA COMO ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA.
A tortura de preso custodiado em delegacia praticada por policial
constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública. O legislador estabeleceu
premissa que deve orientar o agente público em toda a sua atividade, a saber:
"Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados
a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos". Em
reforço, o art. 11, I, da mesma lei, reitera que configura improbidade a
violação a quaisquer princípios da administração, bem como a deslealdade às
instituições, notadamente a prática de ato visando a fim proibido em lei ou
regulamento. Tais disposições evidenciam que o legislador teve preocupação
redobrada em estabelecer que a grave desobediência - por parte de agentes
públicos - ao sistema normativo em vigor pode significar ato de improbidade.
Com base nessas premissas, a Segunda Turma já teve oportunidade de decidir que
"A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública
todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade,
denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade
desenvolvida" (REsp 1.297.021-PR, DJe 20/11/2013). É certo que o STJ, em
alguns momentos, mitiga a rigidez da interpretação literal dos dispositivos
acima, porque "não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade.
A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da
conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera
indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente
seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da
Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (AIA
30-AM, Corte Especial, DJe 28/9/2011). A referida mitigação, entretanto, ocorre
apenas naqueles casos sem gravidade, sem densidade jurídica relevante e sem
demonstração do elemento subjetivo. De qualquer maneira, a detida análise da Lei
n. 8.429/1992 demonstra que o legislador, ao dispor sobre o assunto, não
determinou expressamente quais seriam as vítimas mediatas ou imediatas da
atividade desonesta para fins de configuração do ato como ímprobo. Impôs, sim,
que o agente público respeite o sistema jurídico em vigor e o bem comum, que é
o fim último da Administração Pública. Essa ausência de menção explícita
certamente decorre da compreensão de que o ato ímprobo é, muitas vezes, um
fenômeno pluriofensivo, ou seja, ele pode atingir bens jurídicos diversos.
Ocorre que o ato que apenas atingir bem privado e individual jamais terá a
qualificação de ímprobo, nos termos do ordenamento em vigor. O mesmo não
ocorre, entretanto, com o ato que atingir bem/interesse privado e público ao
mesmo tempo. Aqui, sim, haverá potencial ocorrência de ato de improbidade. Por
isso, o primordial é verificar se, dentre todos os bens atingidos pela postura
do agente, existe algum que seja vinculado ao interesse e ao bem público. Se
assim for, como consequência imediata, a Administração Pública será vulnerada
de forma concomitante. No caso em análise, trata-se de discussão sobre séria
arbitrariedade praticada por policial, que, em tese, pode ter significado
gravíssimo atentado contra direitos humanos. Com efeito, o respeito aos
direitos fundamentais, para além de mera acepção individual, é fundamento da
nossa República, conforme o art. 1º, III, da CF, e é objeto de preocupação
permanente da Administração Pública, de maneira geral. De tão importante, a
prevalência dos direitos humanos, na forma em que disposta no inciso II do art.
4º da CF, é vetor de regência da República Federativa do Brasil nas suas
relações internacionais. Não por outra razão, inúmeros são os tratados e
convenções assinados pelo nosso Estado a respeito do tema. Dentre vários,
lembra-se a Convenção Americana de Direito Humanos (promulgada pelo Decreto n.
678/1992), que já no seu art. 1º, dispõe explicitamente que os Estados
signatários são obrigados a respeitar as liberdades públicas. E, de forma mais
eloquente, os arts. 5º e 7º da referida convenção reforçam as suas disposições
introdutórias ao prever, respectivamente, o "Direito à integridade
pessoal" e o "Direito à liberdade pessoal". A essas previsões, é
oportuno ressaltar que o art. 144 da CF é taxativo sobre as atribuições gerais
das forças de segurança na missão de proteger os direitos e garantias acima
citados. Além do mais, é injustificável pretender que os atos mais gravosos à
dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos, entre os quais a tortura,
praticados por servidores públicos, mormente policiais armados, sejam punidos
apenas no âmbito disciplinar, civil e penal, afastando-se a aplicação da Lei da
Improbidade Administrativa. Essas práticas ofendem diretamente a Administração
Pública, porque o Estado brasileiro tem a obrigação de garantir a integridade
física, psíquica e moral de todos, sob pena de inúmeros reflexos jurídicos,
inclusive na ordem internacional. Pondere-se que o agente público incumbido da
missão de garantir o respeito à ordem pública, como é o caso do policial, ao
descumprir com suas obrigações legais e constitucionais de forma frontal, mais
que atentar apenas contra um indivíduo, atinge toda a coletividade e a própria
corporação a que pertence de forma imediata. Ademais, pertinente reforçar que o
legislador, ao prever que constitui ato de improbidade administrativa que
atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão
que viole os deveres de lealdade às instituições, findou por tornar de interesse
público, e da própria Administração em si, a proteção da imagem e das
atribuições dos entes/entidades públicas. Disso resulta que qualquer atividade
atentatória a esse bem por parte de agentes públicos tem a potencialidade de
ser considerada como improbidade administrativa. Afora isso, a tortura
perpetrada por policiais contra presos mantidos sob a sua custódia tem outro
reflexo jurídico imediato. Ao agir de tal forma, o agente público cria, de
maneira praticamente automática, obrigação ao Estado, que é o dever de
indenizar, nos termos do art. 37, § 6º, da CF. Na hipótese em análise, o ato
ímprobo caracteriza-se quando se constata que a vítima foi torturada em
instalação pública, ou melhor, em delegacia de polícia. Por fim, violência
policial arbitrária não é ato apenas contra o particular-vítima, mas sim contra
a própria Administração Pública, ferindo suas bases de legitimidade e
respeitabilidade. Tanto é assim que essas condutas são tipificadas, entre
outros estatutos, no art. 322 do CP, que integra o Capítulo I ("Dos Crimes
Praticados por Funcionário Público contra a Administração Pública"), que
por sua vez está inserido no Título XI ("Dos Crimes contra a Administração
Pública"), e também nos arts. 3º e 4º da Lei n. 4.898/1965, que trata do
abuso de autoridade. Em síntese, atentado à vida e à liberdade individual de
particulares, praticado por agentes públicos armados - incluindo tortura,
prisão ilegal e "justiciamento" -, afora repercussões nas esferas
penal, civil e disciplinar, pode configurar improbidade administrativa, porque,
além de atingir a pessoa-vítima, alcança, simultaneamente, interesses caros à
Administração em geral, às instituições de segurança pública em especial, e ao
próprio Estado Democrático de Direito. Precedente citado: REsp 1.081.743-MG,
Segunda Turma, julgado em 24/3/2015. REsp 1.177.910-SE, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em
26/8/2015, DJe 17/2/2016.
Primeira
Turma
DIREITO
ADMINISTRATIVO. ATRIBUIÇÃO PARA CLASSIFICAR COMO MEDICAMENTO PRODUTO IMPORTADO.
Se a ANVISA classificou determinado produto importado como
"cosmético", a autoridade aduaneira não poderá alterar essa
classificação para defini-lo como "medicamento". Nos
termos do art. 8º da Lei n. 9.782/1999, incumbe à ANVISA regulamentar,
controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam a saúde pública.
Logo, é da ANVISA a atribuição de definir o que é medicamento e o que é cosmético.
Convém recordar que, quando se confere a certo e determinado órgão
administrativo alguma atribuição operacional, está-se, ipso facto,
excluindo os demais órgãos administrativos do desempenho legítimo dessa mesma
atribuição. Essa é uma das pilastras do sistema organizativo e funcional
estatal e abalá-la seria o mesmo que abrir a porta da Administração para a
confusão, a celeuma e mesmo o caos. Assim, a distribuição de competências ou
atribuições entre diferentes órgãos ou agentes da Administração atende uma
recomendação garantista aos administrados, porquanto, na hipótese de cumulação
de funções no mesmo agente, atribuir-se-ia a esse uma possível potestade
incontrolável, a qual poderia determinar situações arbitrárias e desrespeitosas
a direitos subjetivos. Nesse sentido, se a autoridade aduaneira pudesse
classificar livremente os produtos importados, é evidente que as alíquotas
aplicadas seriam sempre as mais elevadas. Ressalta-se, por fim, que a
autoridade aduaneira não é instância revisora da ANVISA. REsp 1.555.004-SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
julgado em 16/2/2016, DJe 25/2/2016.
Segunda
Turma
DIREITO
ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA DAS SANÇÕES E ENTIDADE INTEGRANTE
DE CONSÓRCIO PÚBLICO COM PENDÊNCIA NO CAUC.
O fato de ente integrante de consórcio público possuir pendência no
Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (CAUC) não
impede que o consórcio faça jus, após a celebração de convênio, à transferência voluntária a
que se refere o art. 25 da LC n. 101/2000. Nos
moldes da Lei n. 11.107/2005, é possível conceituar consórcio público como o
contrato administrativo multilateral, firmado entre entidades federativas, para
persecução de objetivos comuns, resultando na criação de uma nova pessoa
jurídica. A grande novidade dos consórcios públicos regidos por essa lei é que,
atualmente, a celebração do contrato resulta na instituição de uma nova pessoa
jurídica, com personalidade distinta da personalidade das entidades
consorciadas (art. 1º, § 1º, da Lei n. 11.107/2005). Nota-se, por oportuno, que
o instrumento não modifica a natureza dos entes federativos que dele participam.
Nesse passo, segundo o princípio da intranscendência das sanções, não podem as
penalidades e as restrições de ordem jurídica superar a dimensão estritamente
pessoal do infrator, não podendo prejudicar os outros entes, sob pena de
violação desse preceito normativo, consoante entendimento já consolidado no STJ
(AgRg no REsp 1.087.465-SC, Segunda Turma, DJe 16/9/2009) e no STF (ACO
1.631-GO AgR, Tribunal Pleno, DJe 1º/7/2015; e ACO-MA 1.848 AgR, Tribunal
Pleno, DJe 6/2/2015). Em relação aos consórcios públicos, se não adotada a tese
da intranscendência, estar-se-á afirmando que a irregularidade de uma pessoa
jurídica de direito público, integrante da administração pública direta, seria
capaz de alcançar outra pessoa jurídica, integrante da administração indireta
(no caso, o consórcio público de Direito Público). Ressalte-se, ainda, que os
consórcios públicos possuem autonomia administrativa, financeira e
orçamentária, não havendo falar em exceção ao princípio da intranscendência,
cujo escopo é o de impedir que sanções e restrições de ordem jurídica superem a
dimensão estritamente pessoal do infrator e atinjam outro ente federativo. A
personalidade jurídica própria dos consórcios permite razoável segurança
jurídica em relação ao cumprimento de suas obrigações. Além disso, não
prevalece a tese de que o respeito à autonomia dos consórcios públicos
incentivaria a inadimplência dos entes consorciados, fraudando o sistema de
normas que rege as transferências voluntárias, uma vez que, na elaboração dos
contratos de Direito Público (assim como nos de Direito Comum), a boa-fé é
presumida, enquanto que a má-fé necessita ser provada. Ademais, a escolha das
propostas e a celebração do contrato de repasse são decisões discricionárias do
órgão do Poder Executivo competente, havendo um procedimento de aprovação de
plano de trabalho e de seleção da proposta vencedora antes da formalização do
contrato de repasse. Se a administração pública decidisse por não selecionar a
proposta em razão da inadimplência de um dos entes consorciados, não haveria
óbice algum. No entanto, se aprovado o plano de trabalho do consórcio público e
selecionada a sua proposta, não há que se falar, em razão da pendência de
alguns dos entes consorciados, em irregularidade por parte do consórcio público
para firmar convênio, visto que possui personalidade jurídica própria e
relações jurídicas próprias. REsp 1.463.921-PR, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
10/11/2015, DJe 15/2/2016.
Terceira
Turma
DIREITO
CIVIL. DESPROPORÇÃO ENTRE A QUANTIA PAGA INICIALMENTE E O PREÇO AJUSTADO.
Se a proporção entre a quantia paga inicialmente e o preço total ajustado
evidenciar que o pagamento inicial englobava mais do que o sinal, não se pode
declarar a perda integral daquela quantia inicial como se arras confirmatórias
fosse, sendo legítima a redução equitativa do valor a ser retido. Quanto
às arras, deve-se destacar que elas têm duas funções: a) confirmatória
(principal); e b) penitencial (secundária). As arras confirmatórias podem
significar princípio de pagamento, na medida em que o negócio efetivamente se
concretizar. Marcam, portanto, o início da execução do negócio. Convém
esclarecer que o valor dado a título de arras confirmatórias deve ser
integralmente perdido, ou seja, quando a parte que deu as arras não executar o
contrato, não terá direito à devolução do "sinal" por ter dado causa
à rescisão. Mas, se o valor do pagamento inicial englobava mais do que o sinal,
o percentual de retenção deve ser reduzido. Isso porque não é razoável o
entendimento de que todo o referido valor inicial pago seja enquadrado como
sinal ou arras confirmatórias e, em consequência, sujeite-se ao perdimento em
prol do vendedor. Entender de forma diversa implicaria onerar excessivamente a
parte que deu as arras, ainda que a ela tenha sido atribuída culpa pela
rescisão do contrato, e beneficiar a parte que as recebeu. Em outras palavras,
seria uma fonte de enriquecimento desproporcional. Observe-se que a orientação
jurisprudencial do STJ é no sentido de que a fixação das arras confirmatórias
se dá em percentual inferior a 20% do valor do bem, variando, mais
precisamente, entre 10% e 20% (AgRg no REsp 1.013.249-PE, Quarta Turma, DJe de
8/6/2010; e REsp 355.818-MG, Quarta Turma, DJ 13/10/2003). Nessa linha
intelectiva, convém mencionar o Enunciado n. 165 da III Jornada de Direito
Civil do CJF: "Em caso de penalidade, aplica-se a regra do art. 413 ao
sinal, sejam as arras confirmatórias ou penitenciais". Esclareça-se que o
art. 413 do CC estabelece que "a penalidade deve ser reduzida
equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em
parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em
vista a natureza e a finalidade do negócio". REsp 1.513.259-MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado
em 16/2/2016, DJe 22/2/2016.
DIREITO
CIVIL. DIREITO AO RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE BIOLÓGICA.
O filho tem direito de desconstituir a denominada "adoção à
brasileira" para fazer constar o nome de seu pai biológico em seu registro
de nascimento, ainda que preexista vínculo socioafetivo de filiação com o pai
registral. De fato, a jurisprudência do STJ entende
que "Não há que se falar em erro ou falsidade se o registro de nascimento
de filho não biológico efetivou-se em decorrência do reconhecimento de paternidade,
via escritura pública, de forma espontânea, quando inteirado o pretenso pai de
que o menor não era seu filho; porém, materializa-se sua vontade, em condições
normais de discernimento, movido pelo vínculo socioafetivo e sentimento de
nobreza" (REsp 709.608-MS, Quarta Turma, DJe 23/11/2009). Nada obstante, o
reconhecimento do estado biológico de filiação constitui direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível, consubstanciado no princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana (REsp 1.215.189-RJ, Quarta Turma,
DJe 1º/2/2011; e AgRg no REsp 1.203.874-PB, Terceira Turma, DJe 18/8/2011).
Ademais, há precedentes do STJ no sentido de que é possível o desfazimento da
"adoção à brasileira", mesmo no caso de vínculo socioafetivo, se assim
opta o interessado. Dessa forma, a paternidade socioafetiva em face do pai
registral não pode ser óbice à pretensão do filho de ver alterado o seu
registro para constar o nome de seu pai biológico, sob pena de ofensa ao art.
1.596 do CC, segundo o qual "Os filhos, havidos ou não da relação de
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". Precedentes
citados: REsp 1.352.529-SP, Quarta Turma, DJe 13/4/2015; e REsp 1.256.025-RS,
Terceira Turma, DJe 19/3/2014. REsp 1.417.598-CE, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
julgado em 17/12/2015, DJe 18/2/2016.
Quarta
Turma
DIREITO
CIVIL. INAPLICABILIDADE DO DIREITO DE PREFERÊNCIA EM CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CELEBRADO ENTRE CONDÔMINOS.
O direito de preferência previsto no art. 504 do CC aplica-se ao contrato
de compra e venda celebrado entre condômino e terceiro, e não àquele ajustado
entre condôminos. O art. 504 do CC enuncia que:
"Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a
estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não
se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a
parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob
pena de decadência. Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o
que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão
maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários,
que a quiserem, depositando previamente o preço". Partindo-se da
literalidade do previsto nesse artigo, infere-se que o direito de preferência
deve ser observado apenas nos casos em que a alienação se pactue entre consorte
e estranho, e não entre consortes. Efetivamente, o caput do aludido
dispositivo é bastante claro quanto à incidência da preempção apenas nas
hipóteses de negócio jurídico envolvendo terceiro/estranho ao condomínio.
Aliás, necessário destacar que a ratio da positivação da referida
norma sobre o direito de prelação se cinge justamente à conciliação dos
objetivos particulares daquele que pretende alienar sua fração com a (possível)
manutenção da comunidade de coproprietários, até porque, conforme entendimento
doutrinário, "[...] a função social recomenda ser mais cômodo manter a
propriedade entre os titulares originários, evitando desentendimento com a
entrada de um estranho no grupo". A referida preocupação está inserida,
outrossim, no parágrafo único do art. 1.314 do CC, segundo o qual: "Nenhum
dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou
gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros". Com efeito, a alienação
de frações ideais entre condôminos refoge à finalidade intrínseca ao direito de
preferência, uma vez que não se tratará de hipótese de ingresso de
terceiro/estranho à comunhão. Pelo contrário, serão mantidos os consortes,
apenas com alterações no percentual da parte ideal daquele que adquiriu a
parcela de outrem. Esse entendimento, aliás, já foi adotado por esta Corte, em
antigo precedente da Terceira Turma (REsp 19.538-SP, DJ 17/5/1993), no qual
analisado o art. 1.139 do CC/1916 - norma correspondente ao atual art. 504 do
CC. Além disso, não é cabível o argumento de que o parágrafo único do art. 504
do CC, ao enunciar que: "Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver
benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se
as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a
quiserem, depositando previamente o preço", teria estendido o direito de
preempção às hipóteses de alienação entre consortes. Em verdade, o referido
parágrafo único apenas complementa a norma enunciada no caput,
estabelecendo o procedimento a ser adotado caso mais de um condômino venha
manifestar o seu direito de preferência, por ocasião da alienação de fração
ideal à terceiro alheio à comunhão. Ademais, tratando-se de restrição à
liberdade de contratar, o instituto em comento - direito de preferência - deve
ser interpretado de forma restritiva. Assim, se a lei de regência (art. 504 do
CC) apenas o institui em relação às alienações a estranhos, não cabe ao
intérprete, extensivamente, aplicar essa norma aos casos de compra e venda
entre consortes. REsp 1.137.176-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em
16/2/2016, DJe 24/2/2016.
DIREITO
CIVIL. REQUISITOS DO INSTRUMENTO PROCURATÓRIO PARA A VALIDADE DA DOAÇÃO.
É inválida a doação realizada por meio de procurador se o instrumento
procuratório concedido pelo proprietário do bem não mencionar o donatário,
sendo insuficiente a declaração de poderes gerais na procuração. Nos
termos legais (art. 538 do CC), objetivamente, "Considera-se doação o
contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens
ou vantagens para o de outra". De forma subjetiva, a doação representa um
gesto de generosidade ou filantropia que resulta da vontade desinteressada do
doador de praticar uma liberalidade. É contrato festejado na sociedade em
virtude da valorização que se dá às condutas animadas por solidariedade e
caridade. A despeito do caráter de liberalidade (animus donandi),
segundo doutrina, existe no âmbito jurídico uma dupla preocupação relativamente
a essa modalidade contratual: "de um lado, a permissão da prática da
liberalidade como legítima e espontânea manifestação de vontade; de outra
banda, o estabelecimento de uma proteção fundamental à pessoa do doador,
evitando prejuízos a quem pratica um ato de generosidade". Assim, atento
ao risco de o nobre propósito de doar ser desvirtuado ou forjado, inclusive por
mascarar negócio jurídico distinto, existem institutos vocacionados a controlar
a sua regularidade, sendo que sua caracterização depende da conjugação de
elementos subjetivos e objetivos, quais sejam: a) o sujeito (doador e
donatário); b) o objeto a ser doado; c) o animus donandi (intenção/vontade
do doador de praticar a liberalidade visando enriquecer o donatário); d) a
transferência de bens ou vantagens em favor do donatário; e) a aceitação de
quem recebe, afinal é com o consentimento de quem se beneficia que passa o
donatário a assumir deveres éticos, morais e jurídico para com o benfeitor; e
f) a forma pela qual se opera a doação. Ressalte-se que o ordenamento jurídico
permite a doação por procurador constituído pelo doador, desde que ostente
instrumento de mandato com poderes especiais, nos termos do art. 661, §1º, do
CC: "Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos
que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes
especiais e expressos". Assim, diante da solenidade que a doação impõe, em
razão da disposição de patrimônio que acarreta, somente o mandatário munido de
poderes especiais para o ato é que pode representar o titular do bem a ser
doado. Assinale-se que a doutrina e a jurisprudência brasileiras têm admitido a
doação por procuração, desde que o doador cuide de especificar o objeto da
doação e o beneficiário do ato (donatário). A propósito, o STJ já exarou o
entendimento de que o animus donandi materializa-se pela indicação
expressa do bem e do beneficiário da liberalidade, razão por que é insuficiente
a cláusula que confere poderes genéricos para a doação (REsp 503.675-SP,
Terceira Turma, DJ 27/6/2005). REsp 1.575.048-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em
23/2/2016, DJe 26/2/2016.
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. VALIDADE DE CLÁUSULA ARBITRAL QUE RESERVE A SOLUÇÃO DE
DETERMINADAS SITUAÇÕES PARA A VIA JUDICIAL.
É válida a cláusula compromissória que excepcione do juízo arbitral
certas situações especiais a serem submetidas ao Poder Judiciário. Isso
porque a Lei n. 9.307/1996 não exige, como condição de existência da cláusula
compromissória, que a arbitragem seja a única via de resolução admitida pelas
partes, para todos os litígios e em relação a todas as matérias. Cabe lembrar,
ainda, que a liberdade de contratar encontra respaldo no art. 425 do CC, que
estabelece ser "[...] lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas
as normas gerais fixadas neste Código". Caso os contratantes pudessem o
mais, que seria afastar da jurisdição estatal todos os litígios eventualmente
decorrentes do contrato, remetendo-os à arbitragem, certamente poderiam o
menos, prevendo hipóteses especiais em que determinadas divergências fossem
submetidas ao Judiciário. Trata-se de o contrato não ignorar o princípio da
inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF), com o qual
convive a Lei de Arbitragem, aplicável apenas a direitos disponíveis.
Determinadas questões urgentes, especialmente as anteriores à instauração do
painel arbitral, não só podem como devem ser ajuizadas no Judiciário, para que
as partes não se vejam num "vazio jurisdicional", em que não poderiam
alcançar tutela judicial ou arbitral (porque não instalada ainda a arbitragem).
Nesse sentido, o STJ possui relevantes precedentes: CC 111.230-DF, Segunda
Seção, DJe 3/4/2014; REsp 1.277.725-AM, Terceira Turma, DJe 8/3/2013; e REsp
1.297.974-RJ, Terceira Turma, DJe 19/6/2012. Como se vê nos precedentes, mesmo
nas hipóteses em que as partes não estabeleceram previamente a competência do
Judiciário sobre determinados litígios decorrentes do contrato, o STJ aplicou o
princípio da inafastabilidade da jurisdição, pela impossibilidade de ser
exercida a jurisdição arbitral antes de instaurada a arbitragem e constituído o
painel arbitral. Desse modo, não pode ser considerada nula a cláusula
compromissória constante de acordo que excepcione ou reserve certas situações
especiais a serem submetidas ao Judiciário, mormente quando essas demandem
tutelas de urgência. A contrario sensu, nulidade haveria em
previsão que vedasse completamente toda e qualquer apreciação de litígio pelo
Judiciário. O convívio harmônico dos juízos arbitrais com os órgãos do
Judiciário constitui ponto fundamental ao prestígio da arbitragem. Na escala de
apoio do Judiciário à arbitragem, ressai como aspecto essencial o da execução
específica da cláusula compromissória, sem a qual a convenção de arbitragem
quedaria inócua. REsp 1.331.100-BA, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. para
acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 17/12/2015, DJe 22/2/2016.
Quinta
Turma
DIREITO
PENAL. COMPENSAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA COM A AGRAVANTE DA
PROMESSA DE RECOMPENSA.
É possível compensar a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III,
"d", do CP) com a agravante da promessa de recompensa (art. 62, IV). O
STJ pacificou o entendimento no sentido de ser possível, na segunda fase da
dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a
agravante da reincidência (REsp 1.341.370-MT, Terceira Seção, DJe 17/4/2013).
Esse raciocínio, mutatis mutandis, assemelha-se à presente hipótese,
por se tratar da possibilidade de compensação entre circunstâncias igualmente
preponderantes, a saber, a agravante de crime cometido mediante paga com a
atenuante da confissão espontânea. HC 318.594-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/2/2016, DJe
24/2/2016.
DIREITO
PENAL. USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA.
Subsume-se à figura típica prevista no art. 27-D da Lei n. 6.385/1976 a
conduta de quem, em função do cargo de alta relevância que exercia em sociedade
empresária, obteve informação sigilosa acerca da futura aquisição do controle
acionário de uma companhia por outra (operação cujo estudo de viabilidade já se
encontrava em estágio avançado) - dado capaz de influir de modo ponderável nas
decisões dos investidores do mercado, gerando apetência pela compra dos ativos
da sociedade que seria adquirida - e, em razão dessa notícia, adquiriu, no
mesmo dia, antes da divulgação do referido dado no mercado de capitais, ações
desta sociedade, ainda que antes da conclusão da operação de aquisição do
controle acionário. O art. 27-D da Lei n. 6.385/1976 ("Utilizar
informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento
e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem,
vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com
valores mobiliários") foi editado para assegurar a todos os investidores o
direito à equidade da informação, condição inerente à garantia de
confiabilidade do mercado de capitais, sem a qual ele perde a sua essência,
notadamente a de atrair recursos para as grandes companhias. A legislação penal
brasileira não explicitou, entretanto, o que venha a ser "informação
relevante", fazendo com que o intérprete recorra a outras leis ou atos
normativos para saber o alcance da norma incriminadora. A par disso, convém
destacar que, segundo doutrina, "insider trading é,
simplificadamente, a utilização de informações relevantes sobre uma companhia,
por parte das pessoas que, por força do exercício profissional, estão 'por
dentro' de seus negócios, para transacionar com suas ações antes que
tais informações sejam de conhecimento do público". Assim, "o insider
compra ou vende no mercado a preços que ainda não estão refletindo o
impacto de determinadas informações sobre a companhia, que são de seu
conhecimento exclusivo". Cumpre esclarecer que as "informações"
apenas terão relevância para a configuração do crime do art. 27-D da Lei n.
6.385/1976 se a sua utilização ocorrer antes de serem divulgadas no mercado de
capitais. Isso porque os fatos com potencial de influência sobre as decisões
dos investidores devem ser comunicados publicamente, conforme determinam os
arts. 3º e 6º, parágrafo único, da Instrução Normativa n. 358/2002 da CVM, bem
como o art. 157, § 4º, da Lei n. 6.404/1976. Da leitura dos referidos comandos
normativos, conclui-se que, quando o insider detiver informações
relevantes sobre sua companhia, deverá informá-las ao mercado tão logo seja
possível (arts. 3º da Instrução Normativa n. 358/2002 da CVM e 157, § 4º, da
Lei n. 6.404/1976), ou, no caso em que não puder fazê-lo, por entender que sua
revelação colocará em risco interesse da empresa (art. 6º da Instrução
Normativa), deverá abster-se de negociar com os valores mobiliários referentes
às informações privilegiadas, enquanto não forem divulgadas. Em termos gerais,
pode-se encontrar a definição de "informação relevante" nos arts.
155, § 1º, da Lei n. 6.404/1976 e 2º da Instrução n. 358/2002 da CVM.
Registre-se, nesse contexto, que a Instrução Normativa n. 358/2002 da CVM, em
seu art. 2º, elenca 22 (vinte e duas) hipóteses como exemplos de fatos
potencialmente relevantes, o que constitui, sem dúvida, importante fonte
hermenêutica para a seara criminal, assim como a Lei de Sociedade Anônimas.
Entretanto, compete ao aplicador da lei a valoração em concreto da relevância
da informação, conforme o momento e a realidade em que ocorreram, até porque o
rol mencionado não é taxativo, mas exemplificativo. De mais a mais, conforme
entendimento doutrinário, "além desse critério de índole normativa, a
informação 'deve ter em relação à realidade que descreve um mínimo de
materialidade ou objetividade ou, noutros termos, a consciência mínima para
permitir a sua utilização por um investidor médio', ou seja, a informação deve
estar dotada de potencialidade para 'influir, de modo ponderável, na decisão
dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos
pela companhia, tal como prevê o artigo 157, § 4º, da Lei n. 6.404/1976'".
Acrescenta-se, ainda, que, "para que se possa fazer um juízo de prognose
relativamente à idoneidade da informação", sugere-se fazer "uma
comparação: 'se tal informação quando publicada fosse, num juízo de
previsibilidade reportado ao momento ex ante da operação, suscetível
de gerar apetência pela compra ou venda de ativos, tal informação revelava
idoneidade para influenciar a evolução da cotação. Se as alterações que poderia
induzir fossem sensíveis, será informação privilegiada". Nessa linha
intelectiva, seguindo definição doutrinária, pode-se dizer que informação
relevante é aquela que: "a) não foi tornada pública; b) é capaz de influir
de modo ponderável na cotação de títulos ou valores mobiliários (price
sensitive); c) seja precisa ou concreta". REsp 1.569.171-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em
16/2/2016, DJe 25/2/2016.
DIREITO
PENAL. USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA E AUMENTO DE PENA-BASE.
Representa circunstância judicial idônea a exasperar a pena-base do
condenado pelo crime de uso indevido de informação privilegiada (art. 27-D da
Lei n. 6.385/1976) o exercício de cargo de alta importância que possibilitou o
acesso à "informação relevante". Isso
porque o crime em questão não exige que o sujeito ativo seja ocupante de
determinado cargo. O referido tipo penal estabelece apenas que a pessoa,
relativamente à informação, "tenha conhecimento e da qual deva manter
sigilo". Desse modo, o exercício de cargo de alta relevância que
possibilitou o acesso à "informação privilegiada" demonstra maior
culpabilidade na ação perpetrada, situação que não se traduz em dupla punição
pelo mesmo fato (bis in idem). REsp 1.569.171-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em
16/2/2016, DJe 25/2/2016.
DIREITO
PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO NO PROCESSO PENAL DE PROVAS OBTIDAS PELA
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA.
Os dados bancários entregues à autoridade fiscal pela sociedade
empresária fiscalizada, após regular intimação e independentemente de prévia autorização
judicial, podem ser utilizados para subsidiar a instauração de inquérito
policial para apurar suposta prática de crime contra a ordem tributária. De
fato, a Primeira Seção do STJ, ao apreciar o REsp 1.134.665-SP (DJe
18/12/2009), submetido ao rito do art. 543-C do CPC, consolidou o entendimento
de que a quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial para fins de
constituição de crédito tributário é autorizada pela Lei n. 8.021/1990 e pela
LC n. 105/2001, normas procedimentais cuja aplicação é imediata. Contudo,
conquanto atualmente o STJ admita o intercâmbio de informações entre as
instituições financeiras e a autoridade fiscal para fins de constituição de
crédito tributário, o certo é que tal entendimento não se estende à utilização
de tais dados para que seja deflagrada a persecução penal. Isso porque, como é
cediço, o sigilo bancário é garantido no art. 5º da CF, e para que haja o seu
afastamento exige-se ordem judicial que, também por determinação
constitucional, precisa ser fundamentada (art. 93, IX). Na hipótese, todavia,
consta do termo de constatação, retenção e intimação, firmado por auditor
fiscal da Receita Federal, que a sociedade empresária apresentou diversas notas
fiscais e cópias dos extratos bancários das contas por ela movimentadas após
ser regularmente intimada. RHC 66.520-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 2/2/2016, DJe 15/2/2016.
DIREITO
PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DE INICIAL ACUSATÓRIA DESACOMPANHADA DE DOCUMENTOS
HÁBEIS A DEMONSTRAR, AINDA QUE DE MODO INDICIÁRIO, A AUTORIA E A MATERIALIDADE
DO CRIME.
Deve ser rejeitada a queixa-crime que, oferecida antes de qualquer
procedimento prévio, impute a prática de infração de menor potencial ofensivo
com base apenas na versão do autor e na indicação de rol de testemunhas,
desacompanhada de Termo Circunstanciado ou de qualquer outro documento hábil a
demonstrar, ainda que de modo indiciário, a autoria e a materialidade do crime.
Isso porque a imputação penal desacompanhada de
documentos hábeis a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a autoria e a
materialidade do crime, destituída, desse modo, de base empírica idônea,
implica ausência de "justa causa", fato que, nos termos do art. 395,
III, do CPP, desautoriza a instauração da persecutio criminis in iudicio.
De fato, a despeito de o rito dos Juizados Especiais Criminais ser pautado
pelos critérios da oralidade, simplicidade e informalidade, a inicial
acusatória (queixa-crime ou denúncia), mesmo nas infrações de menor potencial
ofensivo, deve vir acompanhada com o mínimo embasamento probatório, ou seja,
com lastro probatório mínimo apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a
efetiva realização do ilícito penal. Dessa forma, mesmo nas infrações de menor
potencial ofensivo, é necessária análise da justa causa, seja na denúncia ou na
queixa-crime. Trata-se, portanto, de um pressuposto processual que deve ser
averiguado, de plano, pelo magistrado, sob pena de rejeição da inicial
acusatória. Além disso, como, no caso em análise, a queixa-crime crime foi
oferecida antes de qualquer procedimento prévio, essa inicial acusatória não
pode se eximir de um controle jurisdicional acerca dos pressupostos
processuais. Diferentemente, seria a hipótese em que a persecução penal é
deflagrada por um Termo Circunstanciado enviado pela autoridade policial, na
qual haverá, imediatamente, uma fase preliminar, já lastreada com um suporte
probatório mínimo. E, ao final, na impossibilidade de aplicação dos institutos
despenalizadores, a inicial acusatória (denúncia ou queixa-crime) seria
ofertada, conforme dispõe o art. 77 da Lei n. 9.099/1995. As partes terão a
oportunidade de compor civilmente os danos, ou, não havendo a composição, será
analisada a possibilidade de oferecimento de transação penal. Caso não haja a
aplicação dos institutos acima referidos, a inicial acusatória será apresentada
oralmente ou por escrito. Nesse momento, o magistrado analisará o preenchimento
das condições da ação e dos pressupostos processuais, uma vez que a
apresentação da ação penal é postergada para o final da fase preliminar.
Todavia, no caso aqui analisado, há uma peculiaridade, na medida em que a
deflagração do procedimento criminal ocorreu com o oferecimento, de imediato,
da queixa-crime. Assim, imprescindível uma análise, ainda que perfunctória, de
seus pressupostos, dentre estes a justa causa da ação penal privada. Nesse
contexto, seria temerário dar início à persecução penal, mesmo sob o rito da
Lei n. 9.099/1995, com base apenas na versão do querelante acerca dos fatos,
sem qualquer lastro probatório mínimo a embasar a queixa-crime. RHC 61.822-DF, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 17/12/2015,
DJe 25/2/2016.
DIREITO
PROCESSUAL PENAL. COMPLEMENTAÇÃO DE DENÚNCIA COM ROL DE TESTEMUNHAS.
A intimação do Ministério Público para que indique as provas que pretende
produzir em Juízo e a juntada do rol de testemunhas pela acusação, após a
apresentação da denúncia, mas antes da formação da relação processual, não são
causas, por si sós, de nulidade absoluta. Isso
porque, a despeito da previsão legal do momento processual adequado para o
arrolamento das testemunhas tanto para a acusação (art. 41 do CPP) quanto para
a defesa (arts. 396 e 396-A), aspectos procedimentais devem ser observados
pelas partes, devendo-se proceder a uma visão global do todo previsto,
interpretando sistematicamente o CPP. E, nos termos do art. 284 do CPC,
aplicado subsidiariamente ao processo penal, por força do art. 3º do Diploma
Processual Penal, "Verificando o juiz que a petição inicial não preenche
os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e
irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o
autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 dias" e, acaso se mantenha
inerte a parte autora, deverá o magistrado, aí sim, nos termos do parágrafo
único do art. 284 do CPC, indeferir a petição inicial. Referida previsão legal
foi aprimorada no Novo CPC, o qual dispõe no seu art. 319 que o juiz tem o
dever de, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos legais
dos arts. 319 e 320 ou que apresente defeitos e irregularidades capazes de
dificultar o julgamento de mérito, determinar ao autor que emende a inicial ou
a complemente, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado,
quando, tão somente após, estará legitimado a indeferir a petição inicial, caso
o vício não seja suprimido. Com efeito, o nosso sistema processual é informado
pelo princípio da cooperação, sendo pois, o processo, um produto da atividade
cooperativa triangular entre o juiz e as partes, no qual todos devem buscar a
justa aplicação do ordenamento jurídico no caso concreto, não podendo o
magistrado se limitar a ser mero fiscal de regras, devendo, ao contrário,
quando constatar deficiências postulatórias das partes, indicá-las,
precisamente, a fim de evitar delongas desnecessárias e a extinção do processo
sem a análise de seu mérito. Assim, ainda que não observado o referido momento
processual adequado para a indicação das provas que pretendia produzir, o que,
em tese, pode levar ao reconhecimento da preclusão na prática do referido ato
processual, o certo é que o magistrado, verificando a irregularidade na
denúncia que pode levar ao seu indeferimento por ser inepta, tem o poder-dever
de determinar a intimação da parte para que proceda à correção da petição
inicial, sob pena de não o fazendo, ter que reconhecer nulidade posterior,
ensejando o desnecessário ajuizamento de nova ação penal. Vale observar,
igualmente, que não se verifica violação do sistema acusatório, pois, como já
ressaltado anteriormente, o juiz, no caso, verificando irregularidade na
denúncia que poderia ensejar o reconhecimento de sua inépcia por ausência de
condição da ação, intimou o Parquet para que este esclarecesse sua
pretensão de produzir provas em juízo, devendo indicá-las em caso positivo, não
tendo, em nenhum momento, indicado precisamente qual(is) prova(s) seria(m)
esta(s). Logo, sua atividade foi de prevenção de extinção do processo sem
julgamento de mérito e não de substituição da atividade probatória das partes.
Ademais, o art. 563 do CPP determina que "Nenhum ato será declarado nulo,
se da nulidade não resultar nenhum prejuízo para a acusação ou para a
defesa". E, no caso em análise, a determinação de correção da petição
inicial acusatória pelo magistrado, sem a indicação das provas que deveriam ser
requeridas pelo Ministério Público, não ensejou qualquer prejuízo ao réu, pois,
como já ressaltado, o juiz de primeiro grau abriu vista ao Parquet antes mesmo
da intimação e citação do acusado para o oferecimento de resposta à acusação,
tendo a defesa amplas possibilidades de contraditar os elementos probatórios
até então requeridos, situação que demonstra a inexistência de violação dos
princípios do contraditório e da ampla defesa e de qualquer prejuízo ao réu.
Vale observar especificamente quanto ao rol de testemunhas que, ainda que o
Parquet não tivesse indicado nenhuma testemunha, o juiz, nos termos do art. 209
do CPP, poderia determinar, a qualquer momento do processo, a oitiva daquelas
que julgasse necessárias. Além do mais, no sistema processual penal brasileiro,
o órgão jurisdicional é o destinatário da prova produzida no processo, uma vez
que será o competente para o processo e o julgamento do delito, nos termos
preconizados pelo art. 155. Entendimento em sentido diverso viola o próprio
princípio do impulso oficial, pois o magistrado, ainda que verifique alguma
irregularidade em atos processuais praticados pelas partes, estaria impedido de
determinar o seu saneamento, só lhe restando, ao final, reconhecer a nulidade
do ato e provocar o desnecessário e evitável ajuizamento de nova ação penal.
Por fim, ressalte-se que, de modo distinto, a Sexta Turma entendeu, por maioria
de votos, nos autos do RHC 45.921-SP (DJe 29/5/2015), reconheceu a impossibilidade
do Juiz determinar a intimação do Parquet para que procedesse à
inclusão das testemunhas quando verificado a ausência de indicação do
respectivo rol e do protesto pela produção das provas na denúncia, sob pena de
violação do sistema acusatório e de subversão das fases procedimentais
previstas no Diploma Processual. Precedente citado do STJ: HC 320.771-RS,
Quinta Turma, DJe 30/9/2015. Precedente citado do STF: RHC 86.793-CE, Primeira
Turma, DJ 8/11/2005. RHC 37.587-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado
em 16/2/2016, DJe 23/2/2016.
Sexta
Turma
DIREITO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E PENAL. TIPIFICAÇÃO DAS CONDUTAS DE FOTOGRAFAR CENA
PORNOGRÁFICA E ARMAZENAR FOTOGRAFIAS DE CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO
CRIANÇA OU ADOLESCENTE.
Fotografar cena e armazenar fotografia de criança ou adolescente em poses
nitidamente sensuais, com enfoque em seus órgãos genitais, ainda que cobertos
por peças de roupas, e incontroversa finalidade sexual e libidinosa,
adequam-se, respectivamente, aos tipos do art. 240 e 241-B do ECA. Configuram
os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando subsiste incontroversa a
finalidade sexual e libidinosa de fotografias produzidas e armazenadas pelo
agente, com enfoque nos órgãos genitais de adolescente - ainda que cobertos por
peças de roupas -, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua
sexualidade com conotação obscena e pornográfica. O art. 241-E do ECA
("Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão 'cena de sexo
explícito ou pornográfica' compreende qualquer situação que envolva criança ou
adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição
dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente
sexuais") trouxe norma penal explicativa - porém não completa - que
contribui para a interpretação dos tipos penais abertos criados pela Lei n.
11.829/2008. Nessa linha de intelecção, a definição de material pornográfico
acrescentada por esse dispositivo legal não restringe a abrangência do termo
pornografia infanto-juvenil e, por conseguinte, deve ser interpretada com
vistas à proteção da criança e do adolescente em condição peculiar de pessoas
em desenvolvimento (art. 6º do ECA). Desse modo, o conceito de pornografia
infanto-juvenil pode abarcar hipóteses em que não haja a exibição explícita do
órgão sexual da criança e do adolescente e, nesse sentido, há entendimento
doutrinário. Portanto, configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando
subsiste incontroversa a finalidade sexual e libidinosa de fotografias
produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos órgãos genitais de
adolescente - ainda que cobertos por peças de roupas -, e de poses nitidamente
sensuais, em que explorada sua sexualidade com conotação obscena e
pornográfica. REsp 1.543.267-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 3/12/2015, DJe 16/2/2016.
DIREITO
PENAL. CRIME DE CONTRABANDO E IMPORTAÇÃO DE COLETE À PROVA DE BALAS.
Configura crime de contrabando a importação de colete à prova de balas
sem prévia autorização do Comando do Exército. A
Portaria n. 18 do DLOG, publicada em 19/12/2006, regulamenta as normas de
avaliação técnica, fabricação, aquisição, importação e destruição de coletes
balísticos e exige determinadas condições aos compradores e importadores desse
tipo de artefato, tais como, autorização prévia do Comando do Exército e
restrição a determinados órgãos e pessoas. Desse modo, a importação de colete à
prova de balas está sujeita à proibição relativa e, por conseguinte, configura
crime de contrabando quando realizada fora dos moldes previstos nesse
regulamento. RHC 62.851-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
16/2/2016, DJe 26/2/2016.
DIREITO
PENAL. INDULTO E DETRAÇÃO.
O período compreendido entre a publicação do decreto concessivo de
indulto pleno e a decisão judicial que reconheça o benefício não pode ser
subtraído na conta de liquidação das novas execuções penais, mesmo que estas se
refiram a condenações por fatos anteriores ao decreto indulgente.
A concessão do indulto, pleno ou parcial, atinge a pena. Será pleno quando
extinguir a pena por completo, resultando na extinção da punibilidade. E será
parcial, também chamado de comutação, quando o afastamento da pena não se der
por completo. No entanto, em ambos os casos, os demais efeitos penais e civis
do crime permanecem inalterados. Assinale-se, ainda, que o indulto não é
aplicado de forma automática. Necessita, assim, de um procedimento judicial em
que o juiz da execução irá avaliar se o apenado preenche, ou não, os requisitos
insculpidos no decreto presidencial. Embora haja doutrina que defenda ser
meramente declaratória a decisão concessiva de indulto, os decretos
presidenciais, em geral, possuem condições objetivas e subjetivas que
necessitam de avaliação judicial. Nessa medida, esse trâmite processual certamente
levará um espaço de tempo para ser cumprido, o que afasta a possibilidade de
publicação do decreto concessivo do benefício em um dia e, já no dia seguinte,
a sua aplicação no caso concreto. Assim, o indulto somente poderá produzir os
seus efeitos após essa avaliação. Além disso, em regra, a concessão do indulto
pressupõe a existência de uma sentença penal condenatória com trânsito em
julgado. Uma vez transitada em julgado a sentença penal condenatória, surge a
pretensão de execução da pena. Se, posteriormente, o Estado desistir de
prosseguir na execução da pena, haverá, tão somente, uma interrupção do
cumprimento, mas não uma inidoneidade ou desnecessidade da pena. Vale ressaltar
que essa interrupção, no caso do indulto, é um ato de clemência do Estado, que
só será reconhecido ao apenado após regular procedimento judicial. Portanto,
até a prolação da decisão que extinguir a punibilidade do agente, a sua
custódia será decorrente de uma prisão pena. A detração, por sua vez, é
decorrência do princípio constitucional da não culpabilidade. A CF estabelece
que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória". Ocorre que, mesmo antes do trânsito em
julgado, em algumas situações, faz-se necessária a constrição provisória do
acusado. Essa, no entanto, é uma prisão cautelar. E, por vezes, ao final do
julgamento, pode ocorrer a absolvição do agente ou a prescrição da pretensão
punitiva. Dessa forma, a detração visa impedir que o Estado abuse do
poder-dever de punir, impondo ao agente uma fração desnecessária da pena quando
houver a perda da liberdade ou a internação em momento anterior à sentença
condenatória. Em razão desses casos, para amenizar a situação do réu, o CP
regulamentou que: "Art. 42 - Computam-se, na pena privativa de liberdade e
na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no
estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos
estabelecimentos referidos no artigo anterior'. Nessa linha intelectiva, a
detração é uma operação matemática em que se subtrai da pena privativa de
liberdade (ou medida de segurança) aplicada ao réu ao final do processo, o
tempo de prisão provisória, prisão administrativa ou internação em hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico que o sentenciado já cumpriu anteriormente.
Frise-se que, em razão da equidade, admite-se a detração inclusive em processos
que não guardem relação entre si, desde que a segregação indevida seja
posterior ao crime em que se requer a incidência do instituto. Nestes casos,
embora a prisão processual fosse necessária no momento em que foi realizada, ao
final do julgamento do processo, a conduta do agente não resultou em uma
punição efetiva. Dessa forma, é possível utilizar esse período para descontar a
pena referente a crime praticado em data anterior. Conclui-se, portanto, que a
detração é um instituto que pretende amenizar as consequências de uma custódia
processual, abatendo-se da pena efetivamente aplicada o período em que o réu
esteve preso por meio de medida cautelar, seja em razão de prisão provisória,
prisão administrativa ou internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico. Assim, o instituto da detração não pode tangenciar o benefício do
indulto porque, enquanto o período compreendido entre a publicação do Decreto
Presidencial e a decisão que reconhece o indulto, decretando-se a extinção da
punibilidade do agente, refere-se a uma prisão pena, a detração somente se
opera em relação à medida cautelar, o que impede a sua aplicação no referido
período. REsp 1.557.408-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 16/2/2016, DJe 24/2/2016.
DIREITO
PROCESSUAL PENAL. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS PELO MAGISTRADO E AUSÊNCIA DO MP NA
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO.
Não gera nulidade do processo o fato de, em audiência de instrução, o
magistrado, após o registro da ausência do representante do MP (que, mesmo
intimado, não compareceu), complementar a inquirição das testemunhas realizada
pela defesa, sem que o defensor tenha se insurgido no momento oportuno nem
demonstrado efetivo prejuízo. Destaca-se, inicialmente,
que a ausência do representante do Ministério Público ao ato, se prejuízo
acarretasse, seria ao próprio órgão acusatório, jamais à defesa, e, portanto,
não poderia ser por esta invocado, porquanto, segundo o que dispõe o art. 565
do CPP, "Nenhuma das partes poderá arguir nulidade [...] referente a
formalidade cuja observância só à parte contrária interesse". De mais a
mais, as modificações introduzidas pela Lei n. 11.690/2008 ao art. 212 do CPP
não retiraram do juiz a possibilidade de formular perguntas às testemunhas, a
fim de complementar a inquirição, na medida em que a própria legislação
adjetiva lhe incumbe do dever de se aproximar o máximo possível da realidade
dos fatos (princípio da verdade real e do impulso oficial), o que afasta o
argumento de violação ao sistema acusatório. Na hipótese em análise, a oitiva
das testemunhas pelo magistrado, de fato, obedeceu à exigência de
complementaridade, nos termos do que determina o art. 212 do CPP, pois somente
ocorreu após ter sido registrada a ausência do Parquet e dada a
palavra à defesa para a realização de seus questionamentos. Vale ressaltar,
ainda, que a jurisprudência do STJ se posiciona no sentido de que eventual
inobservância ao disposto no art. 212 do CPP gera nulidade meramente relativa,
sendo necessário, para seu reconhecimento, a alegação no momento oportuno e a
comprovação do efetivo prejuízo (HC 186.397-SP, Quinta Turma, DJe 28/6/2011; e
HC 268.858-RS, Quinta Turma, DJe 3/9/2013). Precedentes citados: AgRg no REsp
1.491.961-RS, Quinta Turma, DJe 14/9/2015; e HC 312.668-RS, Quinta Turma, DJe
7/5/2015. REsp 1.348.978-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para
acórdão Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 17/2/2016.
Recursos
Repetitivos - Decisões de Afetação
DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. TEMA 948.
Recurso Especial afetado à Segunda Seção
como representativo da seguinte controvérsia: "legitimidade ativa
de não associado para a liquidação/execução da sentença coletiva".
REsp 1.438.263-SP, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 22/2/2016.
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