Período: 3 a 16 de março de 2016.
Corte Especial
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
PRAZO DECADENCIAL PARA IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA REDUÇÃO DE VANTAGEM
DE SERVIDOR PÚBLICO.
O prazo decadencial para impetrar mandado
de segurança contra redução do valor de vantagem integrante de proventos ou de
remuneração de servidor público renova-se mês a mês. A
citada redução, ao revés da supressão de vantagem, configura relação de trato
sucessivo, pois não equivale à negação do próprio fundo de direito. Assim, o
prazo decadencial para se impetrar a ação mandamental renova-se mês a mês.
Precedente citado: AgRg no REsp 1.211.840-MS, Segunda Turma, DJe 6/2/2015. EREsp
1.164.514-AM, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em
16/12/2015, DJe 25/2/2016.
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
EFEITOS FINANCEIROS DA CONCESSÃO DE ORDEM MANDAMENTAL CONTRA ATO DE REDUÇÃO DE
VANTAGEM DE SERVIDOR PÚBLICO.
Em mandado de segurança impetrado contra
redução do valor de vantagem integrante de proventos ou de remuneração de
servidor público, os efeitos financeiros da concessão da ordem retroagem à data
do ato impugnado. Não se desconhece a orientação das Súmulas
n. 269 e 271 do STF, à luz das quais caberia à parte impetrante, após o
trânsito em julgado da sentença mandamental concessiva, ajuizar nova demanda de
natureza condenatória para reivindicar os valores vencidos em data anterior à
impetração do mandado de segurança. Essa exigência, contudo, não apresenta
nenhuma utilidade prática e atenta contra os princípios da justiça, da
efetividade processual, da celeridade e da razoável duração do processo.
Ademais, essa imposição estimula demandas desnecessárias e que movimentam a
máquina judiciária, de modo a consumir tempo e recursos de forma completamente
inútil, e enseja inclusive a fixação de honorários sucumbenciais, em ação que
já se sabe destinada à procedência. Corroborando esse entendimento, o STJ
firmou a orientação de que, nas hipóteses em que o servidor público deixa de
auferir seus vencimentos ou parte deles em razão de ato ilegal ou abusivo do
Poder Público, os efeitos financeiros da concessão de ordem mandamental devem
retroagir à data do ato impugnado, violador do direito líquido e certo do
impetrante. Isso porque os efeitos patrimoniais são mera consequência da
anulação do ato impugnado que reduz o valor de vantagem nos proventos ou remuneração
do impetrante (MS 12.397-DF, Terceira Seção, DJe 16/6/2008). Precedentes
citados: EDcl no REsp 1.236.588-SP, Segunda Turma, DJe 10/5/2011; e AgRg no
REsp 1.090.572-DF, Quinta Turma, DJe 1º/6/2009. EREsp
1.164.514-AM, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em
16/12/2015, DJe 25/2/2016.
Terceira Seção
DIREITO PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL
NA HIPÓTESE EM QUE A QUESTÃO ATACADA TAMBÉM TENHA SIDO ENFRENTADA PELO STF EM
HC.
O julgamento pelo STF de HC impetrado
contra decisão proferida em recurso especial não afasta, por si só, a
competência do STJ para processar e julgar posterior revisão criminal. Inicialmente,
destaca-se que não pode subsistir o recente posicionamento adotado pela
Terceira Seção do STJ, no sentido de ser inviável que o STJ, ao julgar revisão
criminal, revise questão por ele decidida que também fora enfrentada pelo STF
em HC (AgRg na RvCr 2.253-RJ, DJe 28/4/2014). Isso porque a perpetuidade desse
entendimento significaria obstáculo intransponível ao manejo de revisão
criminal nessas hipóteses. De fato, quando o STJ julga determinada questão em
recurso especial, afasta-se a competência do Tribunal de origem para o
processamento e julgamento de revisão criminal quanto ao tema, competência que
passa a ser exercida pelo Tribunal Superior. Ademais, compete ao STF processar
e julgar, originariamente, a revisão criminal de seus julgados (art. 102, I,
"j", da CF), sendo que, no Regimento Interno desse Tribunal, existe a
previsão de se admitir a revisão criminal dos processos findos cuja condenação
tenha sido proferida ou mantida no julgamento de ação penal originária, recurso
criminal ordinário (art. 263) ou, se o fundamento coincidir com a questão
federal apreciada, recurso extraordinário (art. 263, § 1º). Assim, o STF não
seria competente para o julgamento de revisão criminal proposta contra julgado
proferido em HC. O que, aliás, já foi reconhecido pela própria Suprema Corte,
por ocasião da apreciação da RvC 5.448-MG (DJe 2/10/2015) e da RvC 5.426-DF
(DJe 15/2/2011). Portanto, desde que observados os demais requisitos,
conclui-se que o fato de a questão haver sido julgada pelo STF em HC não afasta
a possibilidade de que seja apresentada no STJ a revisão criminal. RvCr 2.877-PE,
Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 25/2/2016, DJe 10/3/2016.
Primeira Turma
DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO
CREDITAMENTO DE IPI.
Apenas com a vigência da Lei n.
9.779/1999, surgiu o direito ao creditamento do IPI decorrente da aquisição de
matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na
fabricação de produtos isentos ou sujeitos ao regime de alíquota zero. O
STF, ao julgar o RE 562.980-SC (Tribunal Pleno, DJe 4/9/2009), submetido ao
rito do art. 543-B do CPC, firmou o entendimento no sentido de que a
"ficção jurídica prevista no artigo 11 da Lei nº 9.779/99 não alcança
situação reveladora de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI
que a antecedeu". REsp
811.486-RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em
16/2/2016, DJe 8/3/2016.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA POR DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE DESVIOS DE VALORES
POR GERENTE DE CONTA BANCÁRIA.
A instituição financeira deverá restituir
os valores desviados por gerente que, conquanto tivesse autorização do
correntista para realizar aplicações financeiras, utilizou-se das facilidades
de sua função para desviar em proveito próprio valores constantes da conta bancária
do cliente. De fato, tendo o gerente se utilizado das
facilidades da função para desviar valores da conta do cliente, deve o banco,
como empregador, responder pelos danos materiais causados, visto que, conforme
o inciso III do art. 932 do CC, serão também responsáveis pela reparação civil
"o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele". REsp
1.569.767-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
1/3/2016, DJe 9/3/2016.
DIREITO CIVIL. TERMO FINAL DE PENSÃO
MENSAL POR ATO ILÍCITO COM RESULTADO MORTE.
O fato de a vítima de ato ilícito com resultado
morte possuir, na data do óbito, idade superior à expectativa média de vida do
brasileiro não afasta o direito de seu dependente econômico ao recebimento de
pensão mensal, que será devida até a data em que a vítima atingiria a
expectativa de vida prevista na tabela de sobrevida (Tábua Completa de
Mortalidade) do IBGE vigente na data do óbito, considerando-se, para os devidos
fins, o gênero e a idade da vítima. Na jurisprudência
nacional, é assente o entendimento de que, nos casos em que há acidente com
morte, cabe, como forma de reparar o dano material sofrido, entre outras
medidas, a fixação de pensão mensal a ser paga ao dependente econômico da
vítima. Nos casos em que a vítima é jovem, a orientação do STJ é a de que
referida obrigação deve perdurar até a data em que a vítima vier a atingir a
idade correspondente à expectativa média de vida do brasileiro na data do óbito
(REsp 1.201.244-RJ, Terceira Turma, DJe 13/5/2015; REsp 1.325.034-SP, Terceira
Turma, DJe 11/5/2015; AgRg nos EDcl no AREsp 119.035-RJ, Quarta Turma, DJe
19/2/2015; e AgRg nos EDcl no REsp 1.351.679-PR, Quarta Turma, DJe 16/10/2014).
No entanto, este mesmo critério não pode ser utilizado como forma de obstar o
direito daquele que é dependente econômico de vítima cuja idade era superior à
expectativa média de vida do brasileiro na data do falecimento, na medida em
que representaria a adoção do entendimento segundo o qual, quando a vítima
tivesse superado a expectativa média de vida do brasileiro, o seu dependente
econômico direto simplesmente não teria direito ao ressarcimento material
representado pelo pensionamento, o que não seria razoável. O direito à pensão
mensal surge exatamente da necessidade de reparação por dano material
decorrente da perda de ente familiar que contribuía com o sustento de quem era
economicamente dependente até o momento do óbito. Nesse contexto, o fato de a
vítima já ter ultrapassado a idade correspondente à expectativa média de vida
do brasileiro, por si só, não é óbice ao deferimento do benefício, pois muitos
são os casos em que referida faixa etária é ultrapassada. Por isso, é
conveniente a utilização da tabela de sobrevida (Tábua Completa de Mortalidade
correspondente ao gênero da vítima) do IBGE em vigência na data do óbito para
melhor valorar a expectativa de vida da vítima e, consequentemente, para fixar
o termo final da pensão. REsp
1.311.402-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
18/2/2016, DJe 7/3/2016.
DIREITO EMPRESARIAL. TERMO INICIAL PARA O
PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO QUINQUENAL PREVISTA NO ART. 120 DA LEI N. 9.279/1996.
O prazo para o pagamento da
"retribuição qüinqüenal" prevista no art. 120 da Lei n. 9.279/1996
conta-se da data do depósito do pedido de registro do desenho industrial no
INPI, e não da data do certificado de registro. Salienta-se,
inicialmente, que o registro de desenho industrial concedido pelo INPI vigorará
por um período de dez anos, renovável por três períodos sucessivos de cinco
anos cada, podendo a proteção total conferida pelo registro durar até 25 anos.
Ressaltado isso, verifica-se que, dentre outros motivos, a falta de pagamento
da retribuição prevista nos arts. 108 e 120 da Lei n. 9.279/1996 (Lei da
Propriedade Industrial), poderá ocasionar a extinção desse registro. Acerca
disso, o Ato Normativo INPI n. 129/1997, que dispõe sobre a aplicação da Lei de
Propriedade Industrial em relação aos registros de desenho industrial,
esclarece: "6. QÜINQÜÊNIOS - 6.1 O pagamento do segundo qüinqüênio deverá
ser efetuado durante o quinto ano, contado da data do depósito, podendo ainda
ser efetuado dentro dos seis meses subseqüentes a este prazo, independente de
notificação, mediante pagamento de retribuição adicional. (...) - 6.4.
Conseqüência da não comprovação do pagamento do qüinqüênio. 6.4.1 Não
comprovado o pagamento, o INPI formulará exigência para a apresentação da
comprovação do pagamento, que deverá ser cumprida no prazo de 60 (sessenta)
dias. 6.4.2 Não cumprida a exigência, o INPI presumirá que o pagamento não foi
efetuado, promovendo os procedimentos cabíveis". Nesse contexto, o art.
120, §1º, da Lei n. 9.279/1996 ("Art. 120. O titular do registro está
sujeito ao pagamento de retribuição qüinqüenal, a partir do segundo qüinqüênio
da data do depósito. § 1º O pagamento do segundo qüinqüênio será feito durante
o 5º (quinto) ano da vigência do registro") deve ser interpretado no
sentido de que o pagamento da retribuição quinquenal do segundo quinquênio
necessita ser efetuado durante o quinto ano de registro, contado da data de
depósito do pedido de registro do desenho industrial no INPI. REsp
1.470.431-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
23/2/2016, DJe 8/3/2016.
DIREITO CIVIL. PERÍODO DE INCIDÊNCIA DO
VALOR ESTIPULADO EM AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL DE IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL.
O valor estabelecido em ação revisional de
aluguel de imóvel não residencial não tem sua incidência limitada ao período
compreendido entre a citação e o termo final do contrato original de locação,
devendo incidir até a efetiva entrega das chaves caso a locação venha a ser
prorrogada por prazo indeterminado em razão da permanência do locatário no
imóvel (art. 56, parágrafo único, da Lei n. 8.245/1991). Como
se pode facilmente extrair da leitura do parágrafo único do art. 56 da Lei n.
8.245/1991, a permanência do locatário no imóvel, por período superior a trinta
dias, quando findo o prazo originalmente pactuado no contrato de locação não
residencial, enseja a prorrogação da avença, nas condições previamente
ajustadas, por prazo indeterminado. De outro lado, a procedência do pedido
formulado em ação revisional de aluguel acarreta alteração de uma das condições
ajustadas: a do valor da locação. Entretanto, essa situação não dispensa o
locatário, nas hipóteses de prorrogação de contrato por prazo indeterminado, do
dever de observar o valor reajustado do aluguel. Isso porque a razão de ser da
revisão de aluguéis é justamente assegurar a manutenção do equilíbrio do
contrato de locação diante das modificações da realidade do mercado, a fim de
evitar injusto prejuízo ou enriquecimento sem causa a ambas as partes. Sendo
assim, ilógico seria admitir que o Poder Judiciário apontasse o novo valor dos
aluguéis para o período de vigência do contrato de locação, mas tal valor fosse
desconsiderado em caso de prorrogação da avença por prazo indeterminado. Desse
modo, uma vez reajustado o valor do aluguel por meio do ajuizamento de ação
revisional, é o valor revisado, e não o originalmente pactuado, que será devido
na hipótese de prorrogação da avença perpetrada nos moldes do previsto no
parágrafo único do art. 56 da Lei n. 8.245/1991. REsp
1.566.231-PE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
1/3/2016, DJe 7/3/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PROCESSAMENTO DE
AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS NO CURSO DE RECESSO FORENSE.
Nos casos de cumulação da ação de despejo
com cobrança de aluguéis, o prazo recursal fica suspenso durante o recesso
forense. O art. 58, I, da Lei n. 8.245/1991 assim dispõe:
"Ressalvados os casos previstos no parágrafo único do art. 1º, nas ações
de despejo, consignação em pagamento de aluguel e acessório da locação,
revisionais de aluguel e renovatórias de locação, observar-se-á o seguinte: I -
os processos tramitam durante as férias forenses e não se suspendem pela
superveniência delas". Esse dispositivo, ao estatuir hipóteses
excepcionais de tramitação de determinadas ações locatícias durante o recesso e
as férias forenses, deve ser interpretado restritivamente, por se tratar de
regra de exceção, na linha de entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Precedentes citados: REsp 331.868-RJ, Quinta Turma, DJ 9/10/2006; e REsp
441.907-PR, Quinta Turma, DJ 29/5/2006. REsp
1.414.092-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em
1/3/2016, DJe 9/3/2016.
DIREITO EMPRESARIAL. NÃO SUJEIÇÃO A
RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS DE CRÉDITO CEDIDOS FIDUCIARIAMENTE.
Não se submetem aos efeitos da recuperação
judicial do devedor os direitos de crédito cedidos fiduciariamente por ele em
garantia de obrigação representada por Cédula de Crédito Bancário existentes na
data do pedido de recuperação, independentemente de a cessão ter ou não sido
registrada no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor. É
a partir da contratação da cessão fiduciária, e não do registro, que há a
imediata transferência, sob condição resolutiva, da titularidade dos direitos
creditícios dados em garantia ao credor fiduciário. Efetivamente, o CC
limitou-se a disciplinar a propriedade fiduciária sobre bens móveis
infungíveis, esclarecendo que "as demais espécies de propriedade
fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica
das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste
Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial" (art.
1.368-A). Reconhece-se, portanto, a absoluta inaplicabilidade à cessão fiduciária
de títulos de crédito (bem móvel, incorpóreo e fungível, por natureza) da
disposição contida no § 1º do art. 1.361 do CC ("Constitui-se a
propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento
público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na
repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no
certificado de registro"). Já no tratamento ofertado pela Lei n.
4.728/1995 no § 3º do art. 66-B, não se faz presente a exigência de registro,
para a constituição da propriedade fiduciária, à cessão fiduciária de direitos
sobre coisas móveis ou de títulos de crédito. Além disso, o § 4º dispõe que se
aplica à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de
crédito o disposto nos arts. 18 a 20 da Lei n. 9.514/1997. Segundo o art. 18 da
referida lei, o contrato de cessão fiduciária em garantia, em si, opera a
transferência ao credor da titularidade dos créditos cedidos até a liquidação
da dívida garantida. Por sua vez, o art. 19 confere ao credor fiduciário
direitos e prerrogativas decorrentes da cessão fiduciária que são exercitáveis
imediatamente à contratação da garantia, independentemente de seu registro. Por
outro lado, o posterior registro da garantia ao mútuo bancário destina-se a
conferir publicidade a esse ajuste acessório, a radiar seus efeitos perante
terceiros, função expressamente mencionada pela Lei n. 10.931/2004 ao dispor
sobre Cédula de Crédito Bancário. Note-se que o credor titular da posição de
proprietário fiduciário sobre direitos creditícios não opõe essa garantia real
aos credores do recuperando, mas sim aos devedores do recuperando (contra quem,
efetivamente, far-se-á valer o direito ao crédito, objeto da garantia), o que
robustece a compreensão de que a garantia sob comento não diz respeito à
recuperação judicial. O direito de crédito cedido não compõe o patrimônio da
devedora fiduciante (que sequer detém sobre ele qualquer ingerência), sendo,
pois, inacessível aos seus demais credores e, por conseguinte, sem qualquer
repercussão na esfera jurídica destes. Não se antevê, desse modo, qualquer
frustração dos demais credores do recuperando que, sobre o bem dado em garantia
(fora dos efeitos da recuperação judicial), não guardam legítima expectativa.
Aliás, sob o aspecto da boa-fé objetiva que deve permear as relações negociais,
tem-se que compreensão diversa permitiria que o empresário devedor,
naturalmente ciente da sua situação de dificuldade financeira, ao eleger o
momento de requerer sua recuperação judicial, escolha, também, ao seu alvedrio,
quais dívidas contraídas seriam ou não submetidas à recuperação judicial. Por
fim, descabido seria reputar constituída a obrigação principal (mútuo bancário
representado por Cédula de Crédito Bancário emitida em favor de instituição
financeira) e, ao mesmo tempo, considerar pendente de formalização a
indissociável garantia àquela, condicionando a existência desta última ao
posterior registro. Assim, e nos termos do art. 49, § 3º, da Lei n.
11.101/2005, uma vez caracterizada a condição de credor titular da posição de
proprietário do bem dado em garantia, o correlato crédito não se sujeita aos
efeitos da recuperação judicial, remanescendo incólumes os direitos de propriedade
sobre a coisa e as condições contratuais, conforme dispõe a lei especial
regente. REsp
1.412.529-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para
acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/12/2015, DJe 2/3/2016.
DIREITO CIVIL. VEDAÇÃO DE REPASSE AO
SACADO DE DESPESAS REFERENTES A TARIFA DE EMISSÃO DE BOLETO BANCÁRIO.
É abusiva a cobrança ou o repasse, pelo
atacadista (beneficiário) ao varejista (pagador), de despesa referente a tarifa
de emissão de boleto bancário. Oportuno destacar que
referida tarifa é um item avençado exclusivamente entre a instituição
financeira e o cedente do título, no caso, o fornecedor, com a finalidade de
remunerar o serviço de cobrança utilizado, que faz uso da rede bancária como
mecanismo de arrecadação. Logo, considerando-se que referida tarifa é fruto de
negociação entre o cedente (fornecedor/atacadista) e o banco, não se pode
perder de vista que a discussão aqui travada encontra-se no âmbito específico
da atividade bancária, matéria que, nos termos da Lei n. 4.595/1964, rege-se
pelas disposições do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do
Brasil (BC). Nesse contexto, foi editada a Resolução n. 3.919/2010, que, ao
consolidar as normas sobre cobrança de tarifas pela prestação de serviços por
parte das instituições financeiras, estabeleceu: "Art. 1º A cobrança de
remuneração pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e
demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil,
conceituada como tarifa para fins desta resolução, deve estar prevista no
contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo
serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário. § 1º
Para efeito desta resolução: I - considera-se cliente a pessoa que possui
vínculo negocial não esporádico com a instituição, decorrente de contrato de
depósitos, de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, de prestação de
serviços ou de aplicação financeira; [...] § 2º É vedada a realização de
cobranças na forma de tarifas ou de ressarcimento de despesas: I - em contas à
ordem do Poder Judiciário e para a manutenção de depósitos em consignação de
pagamento de que trata a Lei nº 8.951, de 13 de dezembro de 1994; e II - do
sacado , em decorrência da emissão de boletos ou faturas de cobrança, carnês e
assemelhados". Além disso, convém consignar que, nos termos da
jurisprudência desta Corte, desde 30/4/2008, por força da Resolução n.
3.518/2007 do CMN, é vedada a cobrança de referida tarifa (REsp 1.255.573-RS,
Segunda Seção, DJe 24/10/2013). Nesse contexto, não se afigura razoável o
repasse da cobrança de tarifa que, por força de Resoluções do CMN, é
considerada ilegal e cuja pactuação não foi negociada com o sacado. Por fim, o
argumento de que o reconhecimento da abusividade do repasse do pagamento das
tarifas de emissão dos boletos aos varejistas fere os princípios da liberdade
de contratar, da probidade e da boa-fé não resiste à análise sistemática do
tema. Isso porque a matéria ora enfrentada está inserida também no âmbito do
sistema financeiro, especialmente no que tange à atividade de intermediação
financeira, de modo que a liberdade de contratar encontra limites que se operam
em prol da higidez e da estabilidade de todo o sistema. REsp
1.568.940-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
1/3/2016, DJe 7/3/2016.
DIREITO CIVIL. POSSIBILIDADE DE O
DEPOSITÁRIO JUDICIAL EXERCER DIREITO DE RETENÇÃO.
O particular que aceita exercer o múnus
público de depositário judicial tem o direito de reter o depósito até que sejam
ressarcidas as despesas com armazenagem e conservação do bem guardado e pagos
os seus honorários. Não há dúvida de que a pessoa física ou
jurídica que aceita o encargo de se tornar depositária de coisa ou bem
apreendido em juízo tem o direito de ser ressarcida das despesas que efetuou,
além de perceber uma remuneração pelo exercício do encargo público
(honorários), nos precisos termos do art. 149 do CPC. Ademais, não há vedação à
aplicação do direito de retenção previsto no art. 644 do CC também aos depósitos
judiciais. Além disso, não obstante decorrer de ordem judiciária, é importante
relembrar que o depositário deve anuir expressamente à nomeação ou, querendo,
recusar o múnus (Súmula n. 319 do STJ: "O encargo de depositário de bens
penhorados pode ser expressamente recusado") ou, para resguardar seu
direito, requerer que lhe seja dada caução. Relembre-se que toda execução corre
por conta do exequente. Aliás, como regra geral, o CPC estabelece que cabe às
partes "prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo,
antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final" (art. 19),
bem como daqueles determinados pelo juízo (art. 19, § 2º). Nessa linha, não há
dúvida alguma de que o particular que aceita exercer o múnus público de depositário
judicial tem direito à remuneração pelo seu trabalho e ao ressarcimento das
despesas que precisou efetuar para a guarda e conservação. Desse modo, quando
não for prestada caução nem forem adiantadas quaisquer despesas, o depositário
tem direito de reter parte do produto enquanto não for ressarcido, pois todas
as regras acima devem ser analisadas em conjunto. REsp
1.300.584-MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 3/3/2016,
DJe 9/3/2016.
DIREITO DO CONSUMIDOR. NULIDADE DE
CLÁUSULA DE RENÚNCIA À ENTREVISTA QUALIFICADA PARA CONTRATAR PLANO DE SAÚDE.
É nula a cláusula inserta por operadora de
plano privado de assistência à saúde em formulário de Declaração de Doenças ou
Lesões Preexistentes (Declaração de Saúde) prevendo a renúncia pelo consumidor
contratante à entrevista qualificada orientada por um médico, seguida apenas de
espaço para aposição de assinatura, sem qualquer menção ao fato de tal
entrevista se tratar de faculdade do beneficiário. Isso
decorre da interpretação e aplicação de normas do CDC e dos regramentos
específicos sobre o preenchimento da Declaração de Saúde editados pelo Conselho
de Saúde Suplementar (CONSU) da Agência Nacional de Saúde (ANS). Saliente-se
que a transparência e a informação são deveres dos prestadores de serviços e
constituem direito do consumidor de ter pleno conhecimento acerca do produto ou
serviço que está adquirindo. É o que dispõe o CDC em seus arts. 4º e 6º, os
quais devem ser analisados conjuntamente com a cláusula geral da boa-fé (art.
51). Ademais, não há manifestação de vontade livre e consciente se o
interessado não detém as informações necessárias para formar seu convencimento.
Transportando esse entendimento para o caso em análise, observe-se que a
seguradora deve: a) esclarecer o pretenso segurado acerca do que consiste uma
declaração de doenças e lesões preexistentes e das consequências do incorreto
preenchimento dos dados ou de eventuais equívocos nas respostas às indagações
ali formuladas; e b) esclarecer que, no caso de o segurado ter dúvida acerca da
alguma questão, teria direito à orientação de um médico durante o preenchimento
do documento, oportunidade em que o profissional de saúde iria elucidar o que
estava sendo indagado, por exemplo, os termos técnicos para definir eventuais
doenças e/ou lesões que o segurado ou parente pudessem ter sofrido antes
daquela data. REsp
1.554.448-PE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
18/2/2016, DJe 26/2/2016.
DIREITO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MIGRAÇÃO
DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL PARA PLANO INDIVIDUAL OU FAMILIAR.
A migração de beneficiário de plano de
saúde coletivo empresarial extinto para plano individual ou familiar não enseja
a manutenção dos valores das mensalidades previstos no plano primitivo. Os
planos de saúde variam segundo o regime e o tipo de contratação. Assim,
consoante o art. 16, VII, da Lei n. 9.656/1998, há três modalidades: (i)
individual ou familiar, (ii) coletivo empresarial e (iii) coletivo por adesão.
O plano de saúde individual é aquele em que a pessoa física contrata
diretamente com a operadora ou por intermédio de um corretor autorizado. A
vinculação de beneficiários é livre, não havendo restrições relacionadas ao
emprego ou à profissão do usuário em potencial (art. 3º da RN n. 195/2009 da
ANS). Já o plano de saúde coletivo é aquele contratado por uma empresa,
conselho, sindicato ou associação junto à operadora de planos de saúde para
oferecer assistência médica e/ou odontológica às pessoas vinculadas às
mencionadas entidades, bem como a seus dependentes. Como visto, são dois os
regimes de contratação de planos de saúde coletivos: o coletivo empresarial, o
qual garante a assistência à saúde dos funcionários da empresário contratante
em razão do vínculo empregatício ou estatutário (art. 5º da RN nº 195/2009 da
ANS), e o coletivo por adesão, contratado por pessoas jurídicas de caráter
profissional, classista ou setorial, como conselhos, sindicatos, cooperativas e
associações profissionais (art. 9º da RN nº 195/2009 da ANS). Quanto à formação
de preços dos serviços de saúde suplementar e ao reajuste das mensalidades, o
cálculo difere entre as três modalidades de plano de saúde. Com efeito, no
plano coletivo empresarial, o empresário ou o órgão público tem condições de
apurar, na fase pré-contratual, qual é a massa de usuários que será coberta, pois
dispõe de dados dos empregados ou servidores, como a idade e a condição médica
do grupo. Diante disso, considerando-se a atuária mais precisa, pode ser
oferecida uma mensalidade inferior àquela praticada aos planos individuais.
Ademais, ao se constatar, na execução contínua do contrato, um desequilíbrio
econômico-financeiro devido à alta sinistralidade da massa e à inflação
acumulada no período, pode a operadora, em livre negociação com a estipulante,
pactuar um reajuste que viabilize a manutenção dos serviços de saúde
suplementar. Em outras palavras, o reajuste anual nesse tipo de contratação é
apenas acompanhado pela ANS, para fins de monitoramento da evolução dos preços
e de prevenção de práticas comerciais abusivas, não necessitando, todavia, de
sua prévia autorização. Assim, não havendo mais interesse na prestação dos
serviços por qualquer das partes, os contratos de planos privados de
assistência à saúde coletivos podem ser rescindidos imotivadamente após a
vigência do período de 12 (doze) meses e mediante prévia notificação da outra
parte com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias (art. 17, parágrafo único,
da RN n. 195/2009 da ANS). Por sua vez, no plano de saúde individual ou
familiar, não existe livre negociação de preço sobre a mensalidade que será
paga diretamente pelo beneficiário, visto que os valores praticados devem ser
aqueles compatíveis com o mercado e previamente aprovados pela ANS, mediante
notas técnicas, devendo ser cobrados indistintamente de todos que contratem
aquela cobertura específica no mesmo período, segundo a faixa etária de cada
um. Nessa modalidade, o preço e os reajustes anuais são vinculados à prévia
autorização da ANS, não guardando o índice de reajuste correlação com a
sinistralidade do plano de saúde em si, mas com outros parâmetros adotados em
metodologia particular. Para a hipótese de rescisão de contrato de plano de
saúde coletivo empresarial, a especificação da migração ou da portabilidade de
carências foi feita pela Res. CONSU n. 19/1999, que dispôs no seu art. 1º que
"As operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde, que
administram ou operam planos coletivos empresariais ou por adesão para empresas
que concedem esse benefício a seus empregados, ou ex-empregados, deverão
disponibilizar plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual
ou familiar ao universo de beneficiários, no caso de cancelamento desse
benefício, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência". E
no seu art. 4º: "Aplicam-se as disposições desta Resolução aos contratos
firmados durante à vigência da Lei nº 9.656/98 que estiverem ou forem adaptados
à legislação". Verifica-se, desse modo, que a RN n. 186/2009 e a RN n.
254/2011 da ANS não se aplicam aos planos coletivos empresariais, regidos pela
Resolução CONSU n. 19/1999, mas incidem apenas nos planos coletivos por adesão
ou nos individuais. Ademais, da análise das normas, depreende-se que em momento
algum foi assegurada a permanência dos mesmos valores de mensalidade praticados
no plano coletivo empresarial rescindido no plano individual oferecido em
substituição. E nem poderia, dada a formação distinta de preços dos planos
coletivos empresariais e dos planos individuais, a possibilitar que os valores
dos primeiros sejam inferiores aos estipulados para os segundos. As
mensalidades cobradas devem guardar relação com os respectivos riscos gerados
ao grupo segurado, sob pena de prejuízos a toda a sociedade por inviabilização
do mercado de saúde suplementar, porquanto, a médio e longo prazos, as
operadoras entrariam em estado de insolvência. Cabe assinalar que, mesmo nas
hipóteses de adaptação e de migração de contratos antigos, ocorreram aumentos
nas mensalidades, como se extrai dos arts. 8º e 18 da RN n. 254/2011 da ANS.
Por seu turno, na portabilidade de carências, deve-se sempre encontrar um tipo
compatível para transferência, com equivalência de preços, entre outros
requisitos, o que não se dá entre os planos do regime coletivo empresarial e os
do regime individual ou familiar. Logo, não há falar em manutenção do mesmo
valor das mensalidades aos beneficiários que migram do plano coletivo
empresarial para o plano individual, haja vista as peculiaridades de cada
regime e tipo contratual (atuária e massa de beneficiários), que geram preços
diferenciados. O que deve ser evitado é a onerosidade excessiva. Por isso é que
o valor de mercado é empregado como referência, de forma a prevenir eventual
abusividade. Precedente citado: REsp n. 1.119.370-PE, Terceira Turma, DJe
17/12/2010. REsp
1.471.569-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
1/3/2016, DJe 7/3/2016.
Quarta Turma
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
LEGITIMIDADE DA VIÚVA PARA IMPUGNAR AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST
MORTEM.
Mesmo nas hipóteses em que não ostente a
condição de herdeira, a viúva poderá impugnar ação de investigação de
paternidade post mortem, devendo receber o processo no estado em que
este se encontra. Em princípio, a ação de investigação de
paternidade será proposta em face do suposto pai ou suposta mãe, diante do seu
caráter pessoal. Desse modo, falecido o suposto pai, a ação deverá ser proposta
contra os herdeiros do investigado. Nesse contexto, na hipótese de a viúva não
ser herdeira, ela não ostentará, em tese, a condição de parte ou litisconsorte
necessária em ação de investigação de paternidade. Assim, a relação processual
estará, em regra, completa com a citação do investigado ou de todos os seus
herdeiros, não havendo nulidade pela não inclusão no polo passivo de viúva não
herdeira. Ocorre que o art. 365 do CC/1916, em dispositivo reproduzido no art.
1.615 do Código em vigor, estabelece: "qualquer pessoa, que justo
interesse tenha, pode contestar a ação de investigação da paternidade ou
maternidade". Por conseguinte, o interesse em contestar não é privativo
dos litisconsortes necessários. Esclareça-se, a propósito, que a doutrina -
seja sob a égide do Código de 1916, seja do atual - orienta-se no sentido de
que o "justo interesse" pode ser de ordem econômica ou moral. De
igual modo já decidiu o STF, em julgado no qual foi reconhecida a legitimidade
da viúva do alegado pai para contestar ação de investigação de paternidade em
hipótese em que não havia petição de herança (RE 21.182-SE, Primeira Turma,
julgado em 29/4/1954). Desta feita, o interesse puramente moral da viúva do
suposto pai, tendo em conta os vínculos familiares e a defesa do casal que
formou com o falecido, compreende-se no conceito de "justo interesse"
para contestar a ação de investigação de paternidade, nos termos do art. 365 do
CC/1916 e do art. 1.615 do CC/2002. Não sendo herdeira, deve ela, todavia,
receber o processo no estado em que este se encontrar, uma vez que não ostenta
a condição de litisconsorte passiva necessária. REsp
1.466.423-GO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/2/2016,
DJe 2/3/2016.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
ILEGITIMIDADE DA VIÚVA MEEIRA PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DE AÇÃO DE PETIÇÃO
DE HERANÇA.
A viúva meeira que não ostente a condição
de herdeira é parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação de petição
de herança na qual não tenha sido questionada a meação, ainda que os bens
integrantes de sua fração se encontrem em condomínio pro indiviso com os
bens pertencentes ao quinhão hereditário. Isso porque
eventual procedência da ação de petição de herança em nada refletirá na esfera de
direitos da viúva meeira, tendo em vista que não será possível subtrair nenhuma
fração de sua meação, que permanecerá invariável, motivo pela qual não deve ser
qualificada como litisconsorte passiva necessária (REsp 331.781-MG, Terceira
Turma, DJ 19/4/2004). Deve-se ressaltar, ainda, a natureza universal da ação de
petição de herança, na qual, segundo esclarece entendimento doutrinário, não
ocorre a devolução de coisas destacadas, mas do patrimônio hereditário: por
inteiro, caso o autor seja herdeiro de uma classe mais privilegiada; ou de
quota-parte, caso seja herdeiro de mesma classe de quem recebeu a herança (REsp
1.244.118-SC, Terceira Turma, DJe 28/10/2013). Desse modo, o autor terá o
reconhecimento de seu direito sucessório e o recebimento de sua quota-parte, e
não de bens singularmente considerados, motivo pelo qual não haverá alteração
na situação fática dos bens, que permanecerão em condomínio pro indiviso.
Assim, caso não se questione a fração atribuída à meeira, eventual procedência
do pedido em nada a alterará. Ressalte-se que diversa seria a situação se os
bens houvessem sido repartidos entre meeira e herdeiros de forma desigual, e o
autor da ação se insurgisse contra a avaliação e especificação dos bens
atribuídos à meeira, alegando prejuízo à metade destinada aos herdeiros. REsp
1.500.756-GO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/2/2016,
DJe 2/3/2016.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO DA
MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA (ART. 600, III, DO CPC/1973).
A multa por ato atentatório à dignidade da
Justiça previsto no art. 600, III, do CPC/1973 constitui punição cuja
aplicabilidade restringe-se aos atos do executado em procedimento executivo. Infere-se
do art. 600, III, do CPC/1973 que o ato atentatório à dignidade da Justiça se
restringe ao processo de execução e que a conduta de deslealdade processual
caracteriza-se somente como aquela praticada pelo executado. Isso porque o
código se utiliza da expressão "ato do executado", além do fato de as
hipóteses previstas nos incisos I, II e IV do mesmo art. 600 se referirem a
circunstâncias inerentes ao procedimento executivo. Ademais, apesar de o inciso
III do citado dispositivo legal tratar da situação de resistência injustificada
às ordens judiciais, podendo levar à conclusão de que seria aplicável a
qualquer "tipo de processo", inclusive o de conhecimento, isso não se
revela como possível. A razão é bem simples: a cabeça do dispositivo, conforme
já destacado, faz alusão expressa a "atos do executado", e somente
dele. Acrescente-se que, para ato atentatório à dignidade da Justiça, o art.
601 do CPC/1973 regula a sanção no patamar de até 20% (vinte por cento)
sobre o valor atualizado da execução, a ser revertido em proveito do exequente.
Mais uma vez, fica claro que a norma aqui discutida tem o seu âmbito de
aplicação limitado às execuções, pois, repita-se, até o valor da multa tem como
parâmetro o montante cobrado na execução, a ser revertido em proveito do
credor/exequente. Acerca da multa, entendimento doutrinário explicita que
"seu caráter é eminentemente punitivo, e não indenizatório, razão pela
qual, na fixação do valor, o juiz levará em conta, não necessariamente a
existência ou o montante do dano que possa ter sofrido o credor, mas sim a
gravidade da culpa ou do dolo com que agiu o devedor". Nesse viés, o STJ
apresenta entendimento sobre a utilização do método restritivo de interpretação
das normas que estabelecem penalidades, e a aplicação da interpretação
restritiva não se refere apenas à parte que pode praticar o ato (no caso, o
executado), mas também à "espécie de processo" no qual há resistência
ao cumprimento da ordem judicial. Não caberia, portanto, ao intérprete querer
estender a incidência do art. 600 do CPC/1973 às ações do processo de
conhecimento, cautelar e aos procedimentos especiais. Assim, a regra é
taxativa. Precedentes citados: REsp 758.270-RS, Primeira Turma, julgado em
8/5/2007, DJ 04/6/2007; REsp 1459154-RJ, Terceira Turma, julgado em 4/9/2014,
DJe 11/9/2014. REsp
1.231.981-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/12/2015,
DJe 3/3/2016.
Sexta Turma
DIREITO PENAL. ATIPICIDADE PENAL DO
EXERCÍCIO DA ACUPUNTURA.
O exercício da acupuntura não configura o
delito previsto no art. 282 do CP (exercício ilegal da
medicina, arte dentária ou farmacêutica). É cediço que o tipo penal
descrito no art. 282 do CP é norma penal em branco e, por isso, deve ser
complementado por lei ou ato normativo em geral, para que se discrimine e
detalhe as atividades exclusivas de médico, dentista ou farmacêutico. Segundo
doutrina, "A complementação do art. 282 há de ser buscada na legislação
federal que regulamenta as profissões de médico, dentista ou farmacêutico.
Dispõem sobre o exercício da medicina a Lei n. 3.268, de 20.09.57 e o Dec. n.
20.931, de 11.01.32". Das referidas leis federais, observa-se que não há
menção ao exercício da acupuntura. Nesse passo, o STJ reconhece que não há
regulamentação da prática da acupuntura, sendo da União a competência privativa
para legislar sobre as condições para o exercício das profissões, consoante
previsto no art. 22, XVI, da CF (RMS 11.272-RJ, Segunda Turma, DJ 4/6/2001).
Assim, ausente complementação da norma penal em branco, o fato é atípico. RHC 66.641-SP,
Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 3/3/2016, DJe 10/3/2016.
DIREITO PENAL. OPERAÇÕES
"DÓLAR-CABO" E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
Nos casos de evasão de divisas praticada
mediante operação do tipo "dólar-cabo", não é possível utilizar o
valor de R$ 10 mil como parâmetro para fins de aplicação do princípio da
insignificância. Conforme entendimento adotado pelo STF na
AP 470, as transações conhecidas como operações "dólar-cabo" - nas
quais são efetuados pagamentos em reais no Brasil, com o objetivo de
disponibilizar, por meio de quem recebe tal pagamento, o respectivo montante em
moeda estrangeira no exterior - preenchem os elementos do delito de evasão de
divisas, na forma do art. 22, parágrafo único, primeira parte, da Lei n. 7.492/1986,
que tipifica a conduta daquele que, "a qualquer título, promove, sem
autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior". As regras
que disciplinam a transferência internacional de valores - e que, portanto,
estabelecem o significado de saída de divisa ou moeda sem autorização legal -
são diversas em relação à saída física e à saída eletrônica. Para bem
compreender tais diferenças, transcreve-se integralmente o art. 65 da Lei n.
9.069/1995, com a redação vigente à época dos fatos: "Art. 65. O ingresso
no País e a saída do País, de moeda nacional e estrangeira serão processados
exclusivamente através de transferência bancária, cabendo ao estabelecimento
bancário a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário. § 1º
Excetua-se do disposto no caput deste artigo o porte, em espécie, dos
valores: I - quando em moeda nacional, até R$ 10.000,00 (dez mil reais); II -
quando em moeda estrangeira, o equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais); III
- quando comprovada a sua entrada no País ou sua saída do País, na forma
prevista na regulamentação pertinente. § 2º O Conselho Monetário Nacional,
segundo diretrizes do Presidente da República, regulamentará o disposto neste
artigo, dispondo, inclusive, sobre os limites e as condições de ingresso no País
e saída do País da moeda nacional. § 3º A não observância do contido neste
artigo, além das sanções penais previstas na legislação específica, e após o
devido processo legal, acarretará a perda do valor excedente dos limites
referidos no § 1º deste artigo, em favor do Tesouro Nacional". O referido
dispositivo excetua apenas o porte, em espécie, do valor de até R$ 10 mil ou o
equivalente em moeda estrangeira, além de remeter ao estabelecimento de outras
hipóteses, na forma prevista na regulamentação pertinente. Assim, não prospera
a tese de que deve ser considerado atípico o envio de moeda ou divisas ao
exterior se o volume de cada operação não exceder a R$ 10 mil. Isso porque, em
primeiro lugar, ressalvada a hipótese do porte de valores em espécie, o ingresso
no país e a saída do país, de moeda nacional e estrangeira "serão
processados exclusivamente através de transferência bancária, cabendo ao
estabelecimento bancário a perfeita identificação do cliente ou do
beneficiário" (art. 65, caput, da Lei n. 9.069/1995). Ou seja, a
legislação excepcionou, em relação ao valor inferior a R$ 10 mil (ou seu
equivalente em moeda estrangeira), apenas a saída física de moeda. No caso de
transferência eletrônica, saída meramente escritural da moeda, a lei exige, de
forma exclusiva, o processamento através do sistema bancário, com perfeita
identificação do cliente ou beneficiário. Além disso, no caso da transferência
clandestina internacional, por meio de operações do tipo "dólar-cabo"
ou equivalente, existe uma facilidade muito grande na realização de centenas ou
até milhares de operações fragmentadas sequenciais. É muito mais simples do que
a transposição física, por diversas vezes, das fronteiras do país com valores
inferiores a R$ 10 mil. Admitir a atipicidade das operações do tipo
"dólar-cabo" com valores inferiores a R$ 10 mil é fechar a janela,
mas deixar a porta aberta para a saída clandestina de divisas. REsp
1.535.956-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
1/3/2016, DJe 9/3/2016.
DIREITO PENAL. COMPLEXIDADE DO ESQUEMA
CRIMINOSO COMO CIRCUNSTÂNCIA NEGATIVA NA DOSIMETRIA DA PENA DO CRIME DE EVASÃO
DE DIVISAS.
Na fixação da pena do crime de evasão de
divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986), o fato de o delito
ter sido cometido por organização criminosa complexa e bem estrutura pode ser
valorado de forma negativa a título de circunstâncias do crime. Apesar
de a Quinta Turma do STJ, no HC 123.760-SP (DJe 28/11/2011) ter decidido que a
sofisticação e a complexidade do esquema voltado à prática de operações
financeiras clandestinas não poderiam ser consideradas circunstâncias judiciais
desfavoráveis, pois seriam ínsitas ao tipo penal, tal entendimento não deve
prosperar. Isso porque a evasão de divisas pode ser praticada de diversas
formas, desde meios muito rudimentares - como a simples saída do país com porte
de dinheiro em valor superior a dez mil reais sem comunicação às autoridades
brasileiras - até a utilização de complexos esquemas de remessas clandestinas.
Assim, não parece justo apenar da mesma forma condutas tão distintas como a
mera saída física com valores não declarados e um sofisticado esquema de
remessa ilícita, sendo correta, neste último caso, a valoração negativa da
vetorial das circunstâncias do delito na fixação da pena-base do delito de
evasão de divisas. REsp
1.535.956-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
1/3/2016, DJe 9/3/2016.