*Por
Sérgio Fernando Moro e Antônio Cesar Bochenek
A denominada Operação Lava Jato
revelou provas, ainda pendentes de exame definitivo pelo Judiciário, da
aparente existência de um esquema criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro
de dimensões gigantescas. Se confirmados os fatos, tratar-se-á do maior escândalo
criminal já descoberto no Brasil. As consequências são assustadoras.
A Petrobras sofreu danos
econômicos severos, ilustrados pelo pagamento de propinas milionárias a antigos
dirigentes e pelo superfaturamento bilionário de obras. Além dos danos imediatos,
a empresa sofreu grave impacto em sua credibilidade. A própria economia
brasileira, carente de investimentos, sofre consequências, com várias empresas
fornecedoras da Petrobras envolvidas no esquema criminoso.
Mais preocupante ainda a
possibilidade de que o esquema criminoso tenha servido ao financiamento de
agentes e partidos políticos, colocando sob suspeição o funcionamento do regime
democrático. Embora se acredite que, com o apoio das instituições democráticas
e da população em geral, tais problemas restem ao final superados, inclusive
com o fortalecimento da democracia e da economia brasileiras, a grande questão
a ser colocada é como se chegou a esse ponto de deterioração, no qual a
descoberta e a repressão de crimes de corrupção geraram tantos efeitos
colaterais negativos?
Uma das respostas é que o sistema
de Justiça Criminal, aqui incluído Polícia, Ministério Público e Judiciário,
não tem sido suficientemente eficiente contra crimes desta natureza. Como
resultado, os problemas tendem a crescer, tornando a sua resolução, pelo
acúmulo, cada vez mais custosa.
A ineficiência é ilustrada pela
perpetuação na vida pública de agentes que se sucedem nos mais diversos
escândalos criminais. Não deveria ser tão difícil condená-los ao ostracismo.
Parte da solução passa pelo incremento da eficiência da Justiça criminal. Sem
dúvida com o respeito aos direitos fundamentais dos investigados e acusados,
mas é necessário um choque para que os bons exemplos de eficiência não fiquem
dependentes de voluntariedade e circunstâncias.
Sem embargo de propostas de
alterações do Direito Penal, o problema principal é óbvio e reside no processo.
Não adianta ter boas leis penais se a sua aplicação é deficiente, morosa e
errática. No Brasil, contam-se como exceções processos contra crimes de
corrupção e lavagem que alcançaram bons resultados. Em regra, os processos
duram décadas para ao final ser reconhecida alguma nulidade arcana ou a
prescrição pelo excesso de tempo transcorrido. Nesse contexto, qualquer
proposta de mudança deve incluir medida para reparar a demora excessiva do
processo penal.
A melhor solução é a de atribuir
à sentença condenatória, para crimes graves em concreto, como grandes desvios
de dinheiro público, uma eficácia imediata, independente do cabimento de
recursos. A proposição não viola a presunção de inocência. Esta, um escudo
contra punições prematuras, impede a imposição da prisão, salvo
excepcionalmente, antes do julgamento. Mas não é esse o caso da proposta que
ora se defende, de que, para crimes graves em concreto, seja imposta a prisão
como regra a partir do primeiro julgamento, ainda que cabíveis recursos. Nos
Estados Unidos e na República francesa, dois dos berços históricos da presunção
de inocência, a regra, após o primeiro julgamento, é a prisão, sendo a
liberdade na fase de recurso excepcional.
Não se ignora, por evidente, a
possibilidade do erro judiciário e de eventual reforma do julgado, motivo pelo
qual se propõe igualmente que as Cortes recursais possam, como exceção,
suspender a eficácia da condenação criminal quando presente, por exemplo,
plausibilidade do recurso. Mas a exceção não invalida a proposição. O problema
da legislação atual é o de supor como geral o erro judiciário e, como
consequência, retirar toda eficácia da sentença judicial, transformando-a em
mera opinião, sem força nem vigor. No Brasil, chegou-se ao extremo de também
retirar-se a eficácia imediata do acórdão condenatório dos Tribunais,
exigindo-se um trânsito em julgado que, pela generosidade de recursos,
constitui muitas vezes uma miragem distante. Na prática, isso estimula
recursos, quando não se tem razão, eterniza o processo e gera impunidade.
A AJUFE – Associação dos Juízes
Federais do Brasil apresentará, em breve, proposição nesse sentido ao Congresso
Nacional. O projeto de lei foi previamente aprovado pela ENCCLA – Estratégia
Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de dinheiro no ano de 2014, em
grupo de trabalho que contou com membros dos três Poderes.
Pelo projeto, o recurso contra a condenação por crimes graves em concreto não
impedirá, como regra, a prisão. Permite ainda o projeto que o juiz leve em
consideração, para a imposição ou não da prisão, fatos relevantes para a
sociedade e para a vítima como ter sido ou não recuperado integralmente o
produto do crime ou terem sido ou não reparados os danos dele decorrente.
Exige-se ainda alguma cautelaridade para a prisão, mas não como antes do
julgamento.
Não se trata aqui de competir com
as proposições apresentadas pelo Governo Federal ou pelo Ministério Público,
mas contribuir, usando a experiência da magistratura, com a apresentação de
projeto que pode mudar significativamente, para melhor, a Justiça.
O Brasil vive momento peculiar. A
crise decorrente do escândalo criminal assusta. Traz insegurança e ansiedade.
Mas ela também oferece a oportunidade de mudança e de superação. Se a crise nos
ensina algo, é que ou mudamos de verdade nosso sistema de Justiça Criminal,
para romper com sua crônica ineficiência, ou afundaremos cada vez mais em
esquemas criminosos que prejudicam a economia, corrompem a democracia e nos
envergonham como País.
* Sergio Fernando Moro, juiz federal responsável
pela Operação Lava Jato, e Antônio Cesar Bochenek, juiz federal, Presidente da
Associação dos Juízes Federais (Ajufe)
*Artigo publicado na página 2 de O Estado de S.
Paulo, edição de domingo, 29 de março de 2015
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-problema-e-o-processo/