Em geral contrato é negócio jurídico bilateral decorrente da
convergência de manifestações de vontade contrapostas.
Caio (parte 1), por
exemplo, manifestando seu sério propósito de contratar, apresenta uma proposta de oferta a Tício (parte 2),
que após, analisá-la, aquiesce ou não com ela. Caso haja aceitação, as manifestações de vontade fazem surgir o consentimento, consistente no núcleo
volitivo contratual.
Vê-se que o nascimento
de um contrato segue um verdadeiro iter ou
processo de formação, cujo início é
caracterizado pelas negociações ou tentativas preliminares – denominada fase de puntuação – até que as partes
chegam a uma proposta definitiva,
seguida da imprescindível aceitação.
Fase
de puntuação (negociações preliminares)
Consiste no período de
negociações preliminares, anterior à formação do contrato.
É neste momento prévio
que as partes discutem, ponderam, refletem, fazem cálculos, estudos, redigem a
minuta do contrato, enfim, contemporizam interesses antagônicos, para que
possam chegar a uma proposta final e definitiva.
Como destaca CARLYLE
POPP:
“A
principal característica desta fase de negociações preliminares é a não
obrigatoriedade. Isto porque realizar negociações é um direito concedido pelo
ordenamento, de natureza constitucional, que autoriza a livre celebração de
negócios jurídicos. Optar pela celebração ou não é um direito que assiste a
cada um dos negociantes. Este direito, volta-se a dizer, é cada vez mais
limitado, limitação esta diretamente proporcional ao incremento de boa-fé
objetiva nas relações jurídicas. Não celebrar o negócio jurídico é um direito
que assiste ao tratante, desde que aja dentro dos limites da boa-fé e não viole
a confiança alheia”. (Carlyle Popp, Responsabilidade
Civil Pré-Negocial: O Rompimento das
Tratativas, Curitiba: Juruá, 2002, p. 230).
Esses atos
preparatórios, característicos da fase de puntuação, não se identificam com o
denominado contrato preliminar.
A promessa de contrato,
também denominada pré-contrato ou contrato preliminar, é aquele negócio
jurídico que tem por objeto a obrigação
de fazer um contrato definitivo. O exemplo mais comum é o compromisso de
compra e venda, o qual, como se sabe, pode inclusive gerar direito real.
Proposta
de contratar
A proposta, também
denominada policitação, consiste na
oferta de contratar que uma parte faz à outra, com vistas à celebração de
determinado negócio (daí, aquele que apresenta a oferta é chamado de
preponente, ofertante ou policitante).
Trata-se de uma declaração
receptícia de vontade que, para valer e ter força vinculante, deverá ser séria
e concreta. Meras conjecturas ou declarações jocosas não traduzem a proposta
juridicamente válida e exigível.
Da mesma forma, a
seriedade da proposta deve ser analisada com bastante cuidado para que ela não
seja confundida com simples oferta de
negociações preliminares.
Dispõe o art. 427 do
CC:
Art. 427. A proposta de contrato obriga o
proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do
negócio, ou das circunstâncias do caso.
Observe-se, portanto, que a proposta de contratar obriga o proponente ou policitante, que não poderá voltar atrás,
ressalvadas apenas as exceções capituladas na própria lei (arts. 427 e 428 do CC).
Da analise desse dispositivo conclui-se que o legislador reconhece a
perda da eficácia cogente da oferta, nas seguintes situações:
a) se
o contrário (a não obrigatoriedade) resultar dos termos dela mesma
– é o caso de o proponente salientar, quando da sua declaração de vontade
(oferta), que reserva do direito de retratar-se ou arrepender-se de concluir o
negócio. Tal possibilidade, entretanto, não existirá nas ofertas feitas ao
consumidor, na forma da Lei n. 8.078/90 (CDC);
b) se
o contrário (a não obrigatoriedade) resultar da natureza do negócio
– cite-se o exemplo, seguindo o pensamento de CARLOS ROBERTO GONÇALVES, “das
chamadas proposta abertas ao público, que se consideram limitadas ao estoque
existente”. (Carlos Roberto Gonçalves, Direito
das Obrigações – Parte Especial –
Contratos, 6. ed., Saraiva, 2002, t. I, p. 16 (Col. Sinopses Jurídicas, v.
6).
c) se
o contrário (a não obrigatoriedade) resultar das circunstâncias do caso
– nesse caso, optou o legislador por adotar uma dicção genérica, senão
abstrata, que dará ao juiz a liberdade necessária para aferir, no caso
concreto, e respeitando o princípio da razoabilidade, situação em que a
proposta não poderia ser considerada obrigatória.
Prazo
de validade da proposta
Dispõe o art. 428 do
CC:
Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:
I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi
imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por
telefone ou por meio de comunicação semelhante;
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido
tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;
III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a
resposta dentro do prazo dado;
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratação do proponente.
Presentes são as
pessoas que mantêm contato direto e simultâneo uma com a outra, a exemplo
daquelas que tratam do negócio pessoalmente, ou que utilizam meio de
transmissão imediata de vontade (como telefone, por exemplo).
Ausentes, por sua vez,
são aquelas pessoas que não mantêm contato direto e imediato entre si, caso
daquelas que contratam por meio de carta ou telegrama (correspondência
epistolar).
Não havendo normas
específicas que tratem da formação de contratos eletrônicos, conclui-se que
deverão ser aplicadas, por analogia, as regras constantes no próprio Código
Civil, respeitada sempre a principiologia constitucional de proteção e defesa
do consumidor.
Nessa linha de
raciocínio, pode-se considerar, mutatis
mutandis, entre presentes, o contrato celebrado eletronicamente em um chat, haja vista que as partes
envolvidas mantêm contato direto entre si quando de sua formação, e, por outro
lado, entre ausentes, aquele formado
por meio de envio de mensagem eletrônica (e-mail),
pois, nesse caso, medeia um lapso de tempo entre a emissão da oferta e a
resposta.
Hipóteses de perda
e eficácia obrigatória da proposta (art. 428 do CC):
a) se, feita sem prazo à pessoa presente, não foi
imediatamente aceita – se se trata de
pessoas presentes, infere-se daí que a resposta ou aceitação deve ser imediata,
sob pena de perda de eficácia da oferta;
b) se, feita sem prazo
à pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao
conhecimento do proponente – neste caso, a
proposta é enviada, sem referência a prazo, e decorre tempo suficiente para a
manifestação do aceitante, que o deixa transcorrer in albis. Como parâmetro pode o juiz, por exemplo, considerar
“suficiente” o período de tempo dentro do qual, habitualmente, em contratos
daquela natureza, costuma-se emitir a resposta;
c) se, feita à pessoa ausente, não tiver sido expedida a
resposta dentro do prazo dado – nessa
hipótese, a proposta é feita à pessoa ausente, com definição de prazo, e a
aceitação não é expedida dentro do prazo dado.
d) se, antes dela (a proposta), ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratação do proponente – aqui, antes da proposta, ou junto com ela, chega ao
conhecimento da outra parte a retratação ou o arrependimento do proponente,
caso em que a oferta perderá também a sua obrigatoriedade.
Fora dessa
hipóteses (art. 427, segunda parte, e 428), portanto, a proposta obriga o proponente e deverá ser devidamente cumprida,
caso haja a consequente aceitação.
A oferta ao público
O Código Civil de
2002 cuidou, ainda, de regular, no art. 429, a oferta ao público, consistente na proposta de contratar feita a uma
coletividade.
Nesse sentido, dispôs
que “a oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais
ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos”.
Vê-se, portanto,
que esta modalidade de oferta não se diferencia essencialmente das demais,
singularizando-se apenas por se dirigir a um número indeterminado de pessoas.
Ademais, desde que
seja feita observando-se os requisitos gerais de validade da proposta, torna-se
obrigatória, ressalvada a hipótese de as circunstâncias ou os usos
descaracterizarem-na como oferta. Imagine-se, por exemplo, que, em uma
determinada localidade, muito distante, seja secular o costume de anunciar
produtos, em alta voz, apenas como técnica publicitária, para atrair clientes à
barraca do anunciante, sendo que a proposta definitiva somente é feita pelo
vendedor após a escolha do bem pretendido.
Finalmente, vale
notar que o mesmo dispositivo de lei admite a revogação da proposta, se for
feita pela mesma via de divulgação, e
desde que essa faculdade haja sido ressalvada na própria oferta. Com isso,
quer-se dizer que, se o proponente não reservou a faculdade de revogação, dando
inclusive ciência dela à outra parte, não poderá exercê-la.
Aceitação
Aceitação é a aquiescência
a uma proposta fundada.
Trata-se da
manifestação de vontade concordante do aceitante
ou oblato que adere à proposta
que lhe fora apresentada.
Como se trata de
atuação da vontade humana, deverá ser externada sem vícios de consentimento –
como o erro, dolo, a lesão ou a coação – sob pena de o negócio vir a ser
anulado.
Pressupõe, da
mesma forma, a plena capacidade do agente, se não for o caso de estar
representado ou assistido, na forma da legislação civil em vigor.
Deve-se observar
que se a aceitação for feita fora do
prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará em nova
proposta. Ou seja, caso a aquiescência não seja integral, mas feita
intempestivamente ou com alterações (restritivas ou ampliativas),
converter-se-á em contraproposta, nos
termos do art. 431 do Código Civil.
Art. 431. A aceitação fora do prazo, com
adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta.
Nessa
mesma linha, se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao
conhecimento do proponente, este deverá comunicar o fato imediatamente ao
aceitante, sob pena de responder por perdas e danos.
Art. 430. Se a aceitação, por
circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este
comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e
danos.
Imagine-se,
por exemplo, que Souza houvesse enviado a Frim uma proposta para a venda de uma
tonelada de bananas-terra. Frim, então, dentro do prazo assinado, responde,
aquiescendo com a oferta. Ocorre que, por circunstância imprevista, a carta é
extraviada e somente chega às mãos do proponente/vendedor (Souza) sete dias após
o final do prazo da resposta, já tendo o mesmo, inclusive, se comprometido a
vender as bananas a um terceiro, Geraldo. Deverá, pois, neste caso, comunicar
imediatamente a Frim o recebimento tardio da sua resposta, sob pena de ser
civilmente responsabilizado pelo danos daí resultantes.
Finalmente,
vele salientar que a aceitação poderá ser expressa ou tácita, segundo o art.
432 do Código Civil:
Art. 432. Se o negócio for daqueles em que
não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado,
reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa.
Nesses
casos, o costume negocial ou, até
mesmo, a dispensa do proponente,
fazem com que se admita a aceitação
tácita, se não chegar ao aceitante, antes da conclusão do negócio, a recusa
do proponente.
Segundo
MARIA HELENA DINIZ:
“Ter-se-á a aceitação tácita quando: a) não
for usual aceitação expressa. Por exemplo, quando um industrial costuma todos
os anos enviar seus produtos a certa pessoa que os recebe e na época oportuna
os paga, e, se num dado momento não convier a esta pessoa o recebimento da
mercadoria, deverá avisar o industrial, sob pena de continuar vinculada ao
negócio (RT, 232:227 e 231: 304; RF, 161:278); b) o ofertante dispensar a
aceitação. Por exemplo, se alguém reserva acomodação num hotel, dizendo que
chegará tal dia, se o hoteleiro não expedir a tempo a negativa, o contrato
estará firmado” (Maria Helena Diniz, Código
Civil Anotado, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 774, comentário ao art.
1.084 (CC-16).
Formação dos contratos entre ausentes
A dificuldade para se precisar em que momento se deve considerar formado o
contrato aparece na avença inter
absentes, efetivado por correspondência epistolar (carta ou
telegrama) ou telegráfica, com ou sem a intervenção dos serviços de correio. A
correspondência pode ser encaminhada pelo próprio interessado ou por alguém
contratado para essa tarefa.
Quando o contrato é celebrado entre ausentes, por correspondência (carta,
telegrama, fax, radiograma, e-mail etc.) ou intermediários, a
resposta leva algum tempo para chegar ao conhecimento do proponente e passa por
diversas fases. Divergem os autores a respeito do momento em que a convenção se reputa concluída, apontando-se as
seguintes teorias:
a) Teoria da
informação ou da
cognição — para a referida teoria, é o da chegada da resposta ao
conhecimento do policitante, que se inteira de seu teor. Tem o inconveniente de
deixar ao arbítrio do proponente abrir a correspondência e tomar conhecimento
da resposta positiva. Não basta a correspondência ser entregue ao destinatário;
o aperfeiçoamento do contrato se dará somente no instante em que o policitante
abri-la e tomar conhecimento do teor da
resposta.
b) Teoria da
declaração ou da
agnição — subdivide-se em três:
Teoria da declaração propriamente dita: o
instante da conclusão coincide com o da redação
da correspondência epistolar. Obviamente, tal entendimento não pode ser
aceito, porque além da dificuldade de se comprovar esse momento, o
consentimento ainda permanece restrito ao âmbito do aceitante, que pode
destruir a mensagem em vez de remetê-la;
Teoria da expedição: não
basta a redação da resposta, sendo necessário que tenha sido expedida, isto é, saído do alcance e controle
do oblato. É considerada a melhor, embora não seja perfeita, porque evita o
arbítrio dos contraentes e afasta dúvidas de natureza probatória;
Teoria da recepção: exige
que, além de escrita e expedida, a resposta tenha sido entregue ao destinatário. Distingue-se da teoria da informação
porque esta exige não só a entrega da correspondência ao proponente como também
que este a tenha aberto e tomado conhecimento de seu teor.
O art. 434 do Código Civil acolheu expressamente a teoria da expedição, ao afirmar que os
contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida. Proclama, com efeito, o
aludido dispositivo:
“Os
contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida,
exceto:
I
- no caso do artigo antecedente;
II
- se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
III
- se ela não chegar no prazo convencionado.”
Observa-se que o novo diploma estabeleceu três
exceções à regra de que o aperfeiçoamento do contrato ocorre com a expedição da
resposta. Na realidade, recusando efeito à expedição caso tenha havido retratação oportuna ou se a resposta
não chegar ao conhecimento do proponente no prazo, desfigurou ele a
teoria da expedição. Ora, se sempre é permitida a retratação antes de a
resposta chegar às mãos do proponente e se ainda não é considerado concluído o
contrato na hipótese de a resposta não chegar no prazo convencionado, na realidade, o referido diploma filiou-se à
teoria da recepção, e não à da expedição.
A terceira
exceção apresentada no art. 434 do Código Civil (“se a resposta não
chegar no prazo convencionado”) é inútil
e injustificável, como reconhece a doutrina, pois, se há prazo
convencionado e a resposta não chega no intervalo determinado, não houve acordo
e, sem ele, não há contrato.
Lugar de formação dos contratos
Nos termos do art. 435 do Código Civil, o contrato reputa-se celebrado no lugar em
que foi proposto.
Tal regra, afigura-se útil, especialmente quando
surgirem questões atinentes à competência, ou quando o juiz tiver de analisar
os usos e costumes do lugar onde o negócio fora pactuado.
Claro está, entretanto, que, no caso da contratação eletrônica
(pela Internet), nem sempre esta regra poderá ser aplicada com a devida
segurança, considerando-se a frequente dificuldade de se precisar o local de
onde partiu a proposta.
Talvez por isso os atuais sites de vendas de produtos exijam que o consumidor/internauta
preencha um minucioso formulário, com indicação inclusive de seu endereço residencial,
a fim de que o negócio seja concluído.
O problema tem relevância na apuração do foro
competente e, no campo do direito internacional,
na determinação da lei aplicável. Prescreve o art. 9º, § 2º, da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro que “a obrigação resultante do
contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”. Tal
dispositivo aplica-se aos casos em que os contratantes residem em países diferentes e assumiu maior
importância com o recrudescimento dos contratos formados pela Internet.
Denota-se que o legislador preferiu a uniformização
de critérios, levando em conta o local em que o impulso inicial teve origem.
Ressalve-se que, dentro da autonomia da vontade, podem as partes eleger o foro
competente (foro de eleição) e a lei aplicável à espécie.
Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol. 4: contratos, tomo I: teoria geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 129 - 143.
Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, vol. 4: contratos, tomo I: teoria geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 129 - 143.
GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Esquematizado Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2012. 2ª Edição.