1.
Conceito
Bem,
em sentido filosófico, é tudo o que satisfaz uma necessidade humana [1].
Juridicamente falando, o
conceito de coisas corresponde ao de bens, mas nem sempre há perfeita
sincronização entre as duas expressões.
Coisa é o gênero do
qual bem é espécie. É tudo que existe objetivamente, com
exclusão do homem. Bens são coisas que, por serem úteis e raras,
são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico. Somente
interessam ao direito coisas suscetíveis de apropriação exclusiva pelo homem.
As que existem em abundância no universo, como o ar atmosférico e a água dos oceanos,
por exemplo, deixam de ser bens em sentido jurídico [2].
2.
Bens corpóreos e incorpóreos
Os bens corpóreos são coisas que têm existência material, como uma
casa, um terreno, uma joia, um livro. Ou melhor, são o objeto do direito [3].
Os bens incorpóreos, não têm existência tangível são relativos aos
direitos que as pessoas físicas ou jurídicas tem sobre as coisas, sobre os
produtos de seu intelecto ou contra outra pessoa, apresentando valor econômico,
tais como: os direitos reais, obrigacionais, autorais [4].
Em geral, os direitos reais têm por
objeto bens corpóreos. Quanto à forma de transferência, estes são objeto de
compra e venda, doação, permuta. A alienação de bens incorpóreos, todavia,
faz-se pela cessão. Daí falar-se em cessão de crédito, cessão de direitos
hereditários etc. Na cessão, faz-se abstração dos bens sobre os quais incidem
os direitos que se transferem [5].
3.
Bens considerados em si mesmos
3.1
Bens móveis
Os bens móveis são “os que, sem deterioração na
substância ou na forma, podem ser transportados de um lugar para outro, por
força própria ou estranha”; no mesmo sentido prescreve o art. 82 do Código
Civil: “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por
força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”.
No primeiro caso temos os semoventes, que são os animais, e, no segundo, os
móveis propriamente ditos: mercadorias, moedas, objetos de uso, títulos de
dívida pública, ações de companhia, etc. [6].
Três são as categorias de bens móveis:
1)
Móveis por natureza são as coisas corpóreas suscetíveis de movimento
próprio, ou de remoção por força alheia sem alteração da substância ou da
destinação econômico-social deles (CC, art. 82), com exceção das que acedem aos
imóveis; logo, os materiais de construção (tijolos, telhas, pedras, azulejos,
etc.), enquanto não forem nela empregados, são bens móveis e readquirem essa
qualidade os provenientes de demolição de algum prédio (CC, art. 84). Os que se
removem de um lugar para outro, por movimento próprio, são os semoventes, ou
seja, os animais e, por força estranha, as coisas inanimadas (p. ex., cadeira,
relógio, óculos, livro, caneta, etc.). Há bens móveis por natureza que a lei
transforma em imóveis. P. ex.: navio e avião, que podem até ser hipotecados (CC
art. 1.473, VI e VII) [7].
2)
Móveis por antecipação são bens incorporados ao solo, mas
com a intenção de separá-los oportunamente e convertê-los em móveis, como as árvores destinadas ao corte e os frutos ainda não colhidos. Observa-se,
nesses casos, aos quais podem somar-se as safras não colhidas[8], a vontade humana atuando no sentido de mobilizar bens imóveis em função da finalidade econômica. Podem ainda ser
incluídos nessa categoria os imóveis que, por sua ancianidade, são vendidos
para fins de demolição.
3)
O art. 83 do
Código Civil considera móveis para os
efeitos legais:
I – as energias que tenham valor econômico;
II – os direitos reais sobre objetos móveis e as ações
correspondentes;
III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e
as respectivas ações.
3.1.1
Bens imóveis
Segundo Clóvis, chamam-se imóveis os bens “que se não podem transportar, sem destruição,
de um para outro lugar” [9]. Esse conceito, verdadeiro em outros tempos, vale hoje para
os imóveis propriamente ditos
ou bens de raiz, como o solo e suas partes integrantes, mas não abrange os
imóveis por determinação legal nem as edificações que, separadas do solo, conservam
sua unidade, podendo ser removidas para outro local (CC, arts. 81, I, e 83).
O Código Civil, nos
artigos 79 e 80, ao apresentar o rol de bens
imóveis classifica-os em:
1) Imóveis por sua natureza (art. 79, 1ª parte), abrangendo o solo e tudo quanto
lhe incorporar naturalmente, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o
espaço aéreo e o subsolo.
2) Imóveis
por acessão física artificial (art. 79, 2ª parte), acessão artificial ou industrial é,
pois, tudo quanto o homem incorporar
permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e
as construções, de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação,
fratura ou dano. Nesse conceito, não se incluem, portanto, as construções provisórias, que se destinam à remoção
ou retirada, como os circos e parques de diversões, as barracas de feiras,
pavilhões etc. [10].
Dispõe o art. 81 do Código Civil:
Art. 81. Não perdem o
caráter de imóveis;
I – as edificações que,
separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro
local;
II – os matérias
provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.
O que se considera é a finalidade da separação,
a destinação dos materiais. Assim, o que se tira de um prédio para
novamente nele incorporar pertencerá ao imóvel e será imóvel [11].
3) Imóveis por acessão natural, incluem-se nessa categoria as árvores e os frutos pendentes, bem como todos os acessórios e adjacências naturais. Compreende as pedras, as fontes
e os cursos de água, superficiais ou subterrâneos, que corram naturalmente. As
árvores, quando destinadas ao corte, são consideradas bens “móveis por
antecipação” [12].
4) Imóveis por determinação legal. O art. 80 do Código Civil considera imóveis para
os efeitos legais:
I – os direitos reais
sobre imóveis e as ações que os asseguram;
Os direitos
reais sobre imóveis, de gozo (servidão, usufruto etc.) ou de garantia
(penhor, hipoteca), são considerados imóveis pela lei, bem como a s ações que os asseguram. Toda e
qualquer transação que lhes diga respeito exige o registro competente (art.
1.227), bem como a autorização do cônjuge, nos termos do art. 1.747, I, do
Código Civil.
II – o direito à sucessão aberta;
O direito
abstrato à sucessão aberta é considerado bem imóvel, ainda que os bens
deixados pelo de cujus sejam todos móveis. Neste caso, o que se considera
imóvel não é o direito aos bens componentes da herança, mas o direito a esta,
como uma unidade.
3.1.2
Diferenças entre bens imóveis e móveis
Grande é a importância da distinção entre bens imóveis
e móveis, pois:
1) A propriedade
móvel e imóvel se adquire de forma diversa. Os bens imóveis só são adquiridos
pelo registro de título, acessão, usucapião, e direito hereditário, e os moveis
pela tradição, usucapião, ocupação, achado de tesouro, especificação, confusão,
adjunção.
2) Os bens
imóveis não podem ser alienados, hipotecados ou gravados em ônus real pela
pessoa casada, sem a anuência do cônjuge (CC, art. 1.647, I), exceto no regime
de separação absoluta de bens.
3) No patrimônio
dos incapazes tem preferência o imóvel, cuja alienação pode ser autorizada em
casos excepcionais.
4) O tempo para
adquirir propriedade por meio de usucapião é mais prolongado para os imóveis
(5, 10, 15 anos), do que para os móveis (três ou cinco anos – CF, art. 183, CC,
arts. 1.238, 1.239, 1.240, 1.242, 1.260, e 1.261 e Súmula 445 do STF).
5) Com a abertura
da sucessão provisória do ausente, seus bens imóveis só podem ser alienados por
desapropriação ou por ordem judicial, para evitar ruína ou quando for
conveniente convertê-los em títulos de dívida pública; essa restrição não
alcança os bens móveis.
6) Os direitos
reais são diferentes: para os imóveis a hipoteca e para os móveis o penhor.
7) Só os imóveis
estão sujeitos a registro (CC, art. 1.245; Lei n. 7.433/85), à concessão de
superfície (CC, art. 1.369) e à enfiteuse (CC, art. 2.038; STF, Súmula 326), e
apenas os bens móveis podem ser objeto de contrato de mútuo (CC, art. 586) [13].
3.2
Bens fungíveis e infungíveis
Bens fungíveis são
“os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e
quantidade”, dispõe o art. 85 do Código Civil, como o dinheiro e os gêneros
alimentícios em geral.
Os bens
infungíveis pela sua qualidade individual, têm um valor especial, não
podendo, por isso, ser substituídos sem que isso acarrete uma alteração de seu
conteúdo, como um quadro de um pintor célebre.
A fungibilidade é característica dos bens móveis, como o menciona o referido
dispositivo legal. Pode ocorrer, no entanto, que, em certos negócios, a fungibilidade venha a alcançar os imóveis, por exemplo, no ajuste entre sócios
de um loteamento sobre eventual partilha em caso de desfazimento da sociedade,
quando o que se retira receberá certa quantidade de lotes.
Enquanto não lavrada a escritura, será ele credor de
coisas fungíveis, determinadas apenas pela espécie, qualidade e quantidade [14].
A fungibilidade é o resultado da comparação entre
duas coisas que se consideram equivalentes. Os bens fungíveis são substituíveis
porque são idênticos,
econômica, social e juridicamente. A característica advém, pois, da natureza dos bens. Todavia, pode
resultar também da vontade das
partes. A moeda é um bem fungível. Determinada moeda, porém, pode
tornar-se infungível para um colecionador [15].
3.3
Bens consumíveis e inconsumíveis
Prescreve o art. 86 do Código Civil que são consumíveis
“os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância,
sendo também considerados tais os destinados à alienação”. Infere-se do
conceito que os bens podem ser:
■ Consumíveis de fato (natural
ou materialmente consumíveis): aqueles cujo uso importa destruição imediata da própria
substância, como os gêneros alimentícios. Extinguem-se pelo uso
normal, exaurindo-se num só ato.
■ Consumíveis de
direito (juridicamente consumíveis): os que se destinam
à
alienação, como as mercadorias de um supermercado.
Inconsumíveis são
os bens que podem ser usados continuadamente, ou seja, os que permitem
utilização contínua, sem destruição da substância. A rigor,
a utilização mais ou menos prolongada acaba por consumir qualquer objeto, ainda
que leve bastante tempo. Entretanto, no sentido jurídico, bem consumível é
apenas o que desaparece com o primeiro uso; não é, portanto, juridicamente
consumível a roupa, que lentamente se gasta com o uso ordinário[16].
Clóvis Beviláqua obtempera que há coisas que, segundo
o destino que lhes derem, serão consumíveis ou inconsumíveis.
Tais são, por exemplo, os livros, que, nas prateleiras de uma livraria, serão
consumíveis por se destinarem à alienação, e, nas estantes de uma biblioteca,
serão inconsumíveis, porque aí se acham para serem lidos e conservados[17].
3.4 Bens divisíveis e indivisíveis
São divisíveis
(CC, art. 87) os bens que puderem ser fracionados em partes homogêneas e
distintas, sem alteração das qualidades essenciais do todo, sem desvalorização
ou diminuição considerável de valor e sem prejuízo do uso a que se destinam.
Deve cada parte ser autônoma, tendo a mesma espécie e qualidade do todo
dividido, prestando as mesmas utilidades e serviços do todo. P.ex.: se
repartimos uma saca de café, cada metade conservará as qualidades do produto,
podendo ter a mesma utilização do todo, pois nenhuma alteração de sua
substancia houve.
Por outro lado, as coisas podem ser indivisíveis (CC, art. 88):
1) Por
natureza, quando não puderem ser partidas sem alteração na
sua substância ou no seu valor. P. ex.: um quadro de Portinari partido ao meio
perde sua integridade e seu valor.
2) Por
determinação legal, p. ex., o art. 1.386 do Código Civil
estabelece que “as servidões prediais são indivisíveis e subsistem, no caso de
divisão dos imóveis, em benefício de cada uma das porções do prédio dominante,
e continuam a gravar cada uma das do prédio, e continuam a gravar cada uma das
do prédio serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a
certa parte de um ou de outro”.
3) Por
vontade das partes, são aqueles em que fisicamente são
divisíveis, mas por convenção entre as partes tornam-se indivisíveis.
3.5 Bens singulares e coletivos
Quanto a individualidade os bens denominam-se:
■ singulares; e
■ coletivos
Segundo o art. 89 do CC:
“São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si,
independente dos demais”.
São singulares, portanto, quando considerados na sua individualidade,
como um cavalo, uma árvore, uma caneta, um papel. A árvore pode ser bem
singular ou coletivo, conforme seja encarada individualmente ou agregada a
outras, formando um todo, uma universalidade
de fato (floresta). Já uma caneta, p. ex., só pode ser bem singular, porque
a reunião de várias delas não daria origem a um bem coletivo.
Os bens coletivos, são chamados também de
universais ou universalidades e abrangem as:
■ universalidades de fato; e as
■ universalidades
de direito
O
art. 90 do Código Civil considera universalidade de fato “a pluralidade de bens singulares
que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária”. Mencione-se, como
exemplo, uma biblioteca, um rebanho, uma galeria de quadros. Determinados bens
só têm valor econômico e jurídico quando agregados: um par de sapatos ou de
brincos, por exemplo.
Acrescenta
o parágrafo único do aludido dispositivo legal que os “bens que formam essa
universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias”. A
universalidade de fato distingue-se
dos bens compostos pelo fato de ser uma pluralidade
de bens autônomos a que o proprietário dá uma destinação unitária, podendo ser alienados conjuntamente, em um
único ato, ou individualmente, na forma do citado parágrafo único[18].
Por sua vez, o art. 91 proclama constituir universalidade
de direito “o complexo
de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”. É a hipótese
da herança, do patrimônio, do fundo de
comércio, da massa falida etc. A distinção fundamental entre a
universalidade de fato e a de direito está em que a primeira se
apresenta como um conjunto ligado pelo entendimento particular (decorre da vontade do titular), enquanto a segunda
decorre da lei, ou seja, da pluralidade de bens corpóreos e incorpóreos a que a lei, para certos efeitos, atribui o caráter de unidade, como na herança, no patrimônio, na massa
falida etc.[19].
4.1
Dos bens reciprocamente considerados
No capítulo II do código, o legislador distingue bem
principal de acessório e formula o conceito de pertenças e de benfeitorias,
fazendo ainda referência a outras modalidades de acessórios, como os frutos e
os produtos, compreendidos, nos primeiros, os rendimentos.
4.2 Bens principais e acessórios
Considerados uns em relação aos outros, os bens
classificam-se em (art. 92 do CC):
Principal é o bem que tem existência própria, autônoma, que existe por si.
Acessório é aquele cujo existência depende do principal. Assim, o solo é bem
principal, porque existe por si, concretamente, sem qualquer dependência. A
árvore, por sua vez, é acessório, porque sua existência supõe a do solo onde
foi plantada.
4.2.1
Frutos e produtos
Dispõe o art. 95 do Código Civil que, apesar de
“ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de
negócio jurídico”. Compreendem-se, pois, na grande classe dos bens acessórios
os produtos e os frutos.
Produtos,
“são
as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, porque não
se reproduzam periodicamente, como as pedras e os metais, que se extraem das
pedreiras e das minas” [20].
Frutos são
as utilidades que uma coisa periodicamente produz. Nascem e renascem da coisa, sem acarretar-lhe a destruição no todo
ou em parte (fructus est quidquid nasci et renasci potest), como as
frutas brotadas das árvores, os vegetais espontaneamente fornecidos pelo solo,
o leite dos animais etc. Caracterizam-se,
assim, por três elementos:
■ periodicidade;
■ inalterabilidade da substância da
coisa principal; e
■ separabilidade desta[21].
Espécies
de frutos:
Quanto a origem
dividem-se em:
■ Naturais — São os que se
desenvolvem e se renovam periodicamente, em virtude da força orgânica da própria natureza, como os frutos das árvores,
os vegetais, as crias dos animais etc.
■ Industriais — Assim se denominam
os que aparecem pela mão do homem, isto é, os que surgem em razão da atuação ou indústria do homem sobre a
natureza, como a produção de uma fábrica.
■ Civis — São os rendimentos produzidos pela coisa em
virtude de sua utilização por outrem que não o proprietário, como os juros e os aluguéis.
Clóvis Beviláqua
classifica os frutos, quanto ao seu estado,
em:
■ pendentes, enquanto unidos à coisa
que os produziu;
■ percebidos ou colhidos, depois de separados;
■ estantes, os separados e
armazenados ou acondicionados para venda;
■ percipiendos, os que deviam ser,
mas não foram, colhidos ou percebidos; e
■ consumidos, os que não existem
mais porque foram utilizados[22].
4.3
Pertenças
O Código Civil incluiu, no rol dos bens acessórios,
as pertenças, ou seja, os
bens móveis que, não constituindo partes
integrantes (como o são os frutos, produtos e benfeitorias), estão
afetados por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de outro, como os tratores destinados a uma melhor
exploração de propriedade agrícola e os objetos de decoração de uma residência
(art. 93).
Por sua vez o art. 94 mostra a distinção entre parte integrante (frutos, produtos e
benfeitorias) e pertenças ao
proclamar:
Art.
94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as
pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou
das circunstâncias do caso.
Verifica-se, pela interpretação a contrario sensu
do aludido dispositivo, que a regra “o
acessório segue o principal” aplica-se somente às partes integrantes, já
que não é aplicável às pertenças.
4.4
Benfeitorias
Também se consideram
bens acessórios todas as benfeitorias,
qualquer que seja o seu valor. Desde o direito romano classificam-se em três
grupos.
4.4.1
Benfeitorias necessárias (impensae
necesariae)
Segundo o § 3º do CC
“são necessárias as que tem por fim conservar o bem e evitar que ele se
deteriore”.
Sob duplo ponto de vista, pode-se qualificar de necessária uma
benfeitoria:
Quando se destina à conservação da coisa,
seja para impedir que pereça ou se
deteriore (despesas para dar suficiente solidez a uma residência, para
cura das enfermidades dos animais etc.), seja para conservá-la juridicamente (despesas efetuadas para o cancelamento
de uma hipoteca, liberação de qualquer outro ônus real, pagamento de foros e
impostos, promoção de defesa judicial etc.) [23].
Quando visa permitir sua normal exploração (despesas realizadas
com adubação, esgotamento de pântanos, culturas de toda espécie, máquinas e instalações
etc.) [24].
4.4.2 Benfeitorias úteis (impensae utiles)
O conceito de benfeitorias úteis é negativo: as que não se
enquadram na categoria de necessárias, mas aumentam objetivamente o valor do
bem[25].
Para o Código Civil brasileiro, são úteis as benfeitorias que aumentam ou facilitam o uso do bem.
Assim, por exemplo, o acrescentamento de um banheiro ou de uma garagem a casa,
que obviamente aumenta o seu valor comercial.
4.4.3 Benfeitorias voluptuárias (impensae voluptuarie)
Voluptuárias são
as benfeitorias que só consistem em objetos de luxo e recreio, como jardins, mirantes, fontes, cascatas
artificiais, bem como aquelas que não aumentam o valor venal da coisa no
mercado em geral ou só o aumentam em proporção insignificante, como preceitua o
§ 2º do art. 967 do Código Civil colombiano.
5. Bens públicos e particulares
O art. 98 do Código Civil considera públicos “os bens do domínio nacional pertencentes
às pessoas jurídicas de direito público interno”. Os particulares são definidos por exclusão: “todos os outros são
particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.
Os bens
públicos foram classificados em três categorias (CC, art. 99).
Bens
de uso comum do povo
Bens
de uso especial
Bens
dominicais
Os de uso comum e os de uso especial são de domínio
público do Estado.
5.1 Bens de uso comum do povo
Bens de uso comum do povo são os que podem ser
utilizados por qualquer um do povo,
sem formalidades (res communis omnium).
Exemplificativamente, o Código Civil menciona “os
rios, mares, estradas, ruas e praças” (art. 99, I). Não perdem essa
característica se o Poder Público regulamentar seu uso ou torná-lo oneroso.
O povo só tem o direito de usar tais bens, mas não
tem o seu domínio.
5.2 Bens de uso especial
Bens de uso especial são os que se destinam
especialmente à execução d o s serviços
públicos. São os edifícios onde estão instalados os serviços públicos,
inclusive os das autarquias, e os órgãos da administração (repartições
públicas, secretarias, escolas, ministérios etc. — CC, art. 99, II). São
utilizados exclusivamente pelo Poder Público.
5.3 Bens dominicais
Bens dominicais ou do patrimônio disponível são os
que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como
objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades (CC,
art. 99, III). Sobre eles, o Poder Público exerce poderes de proprietário.
Incluem-se nessa categoria as terras devolutas, as estradas de ferro, oficinas
e fazendas pertencentes ao Estado.
Não estando afetados a finalidade pública
específica, os bens dominicais podem
ser alienados por meio de institutos de direito privado ou de direito público
(compra e venda, legitimação de posse etc.), observadas as exigências da lei
(CC, art. 101). Dispõe o parágrafo único do art. 99 do Código Civil que, não
“dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às
pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito
privado”.
Nesse caso, podem ser alienados pelos institutos típicos
do direito civil, como se
pertencessem a um particular qualquer.
5.4
Inalienabilidade dos bens públicos
Os bens públicos de “uso comum do povo e os de uso
especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma
que a lei determinar” (CC, art. 100).
Os citados bens apresentam a característica da inalienabilidade e, como consequência
desta, a imprescritibilidade (não são possíveis de usucapião, art. 102), a
impenhorabilidade e a impossibilidade de oneração.
Mas a inalienabilidade não é absoluta, a não ser com relação àqueles que, por sua própria
natureza, são insuscetíveis de valoração patrimonial, como os mares, as praias,
os rios navegáveis etc. Os suscetíveis de valoração patrimonial podem perder a
inalienabilidade que lhes é peculiar pela desafetação, “na forma que a lei determinar” (CC, art. 100).
Desafetação é
a alteração da destinação do bem, “visando incluir bens de uso comum do povo,
ou bens de uso especial, na categoria de bens dominicais, para possibilitar a alienação, nos
termos das regras do Direito Administrativo...” [26]. Deve ser feita por lei ou por ato
administrativo praticado na conformidade desta.
_________________________________________________________
REFERÊNCIAS
[1] “Filosoficamente, bem
é tudo quanto pode proporcionar ao homem qualquer satisfação. Nesse sentido
se diz que a saúde é um bem, que a amizade é um bem, que Deus é o sumo bem.
Mas, se filosoficamente, saúde, amizade e Deus são bens, na linguagem jurídica
não podem receber tal qualificação” (Washington de Barros Monteiro, Curso de
direito civil, v. 1, p. 144).
[2]
Silvio
Rodrigues, Direito civil, v. 1, p. 116; Washington de Barros Monteiro, Curso,
cit., p. 144-145; Sylvio M. Marcondes Machado, Limitação da responsabilidade
de comerciante individual, n. 70.
[3]
Orlando
Gomes, op. cit., p. 198; Serpa Lopes, op. cit., vol. 1, p. 358.
[4]
Barassi
(I diritti reali e possesso, v. 1, p.
159) esclarece que, apesar do silêncio da lei a respeito, nada impede que se
estenda a ideia de “bem” às entidades imateriais, que existem realmente, não
sendo produto de qualquer fantasia: vivem fora de nós, mas possuem estrutura
imaterial. Orlando Gomes, op. cit., p. 199; Bassil Dower, Curso moderno de direito civil, v. 1, Nelpa, 1976, p. 137; W.
Barros Monteiro, op. cit., vol. 1, p. 144 e 145.
[5]
Francisco
Amaral, Direito civil, cit., p. 303.
[6]
Clóvis,
Teoria geral do direito civil, cit.,
§ 34. p. 190.
[7]
Caio
M. S. Pereira, op. cit., v. 1, p. 364; Orlando Gomes, op. cit., p. 205.
[8]
Segundo
Agostinho Alvim, as árvores e frutos só aderem ao imóvel enquanto não sejam
“objeto de negócio autônomo” (Comentários ao Código Civil, v. 1, p. 223,
n. 4).
[9]
Teoria, cit., p. 160.
[10]
Clóvis
Beviláqua, Teoria, cit., p. 162; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições,
cit., v. 1, p. 262; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 308.
[11]
Ulpiano,
Digesto, Liv. XIX e XXXII (ad edictum).
[12]
Washington
de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 1, p. 150; Caio Mário da Silva Pereira,
Instituições, cit., v. 1, p. 266; Francisco Amaral, Direito civil,
cit., p. 307; Silvio Rodrigues, Direito civil, v. 1, p. 122. “Árvores
vendidas para corte são bens móveis por antecipação e para sua alienação
independem de outorga uxória” (RT, 227/231, 209/476).
[13] Caio M. S. Pereira, op.
cit., v. 1, p. 357; Lucy R. dos Santos, op. cit., p. 225; Orlando Gomes, op.
cit., p. 199; Bassil Dower, op. cit., v. 1, p. 139; Silvio Rodrigues, op. cit.,
v. 1, p. 135 e 136; Planiol e Ripert, Traité
pratique de droit civil français, 2. ed., Paris, 1952, t. 3, p. 70 e 71; W.
Barros Monteiro (op. cit., v. 1, p. 146), que na p. 147 salienta os reflexos
dessa diferenciação em outros ramos do direito: 1) no direito comercial só os
bens móveis podem ser objeto de atos de comércio e só é mercantil a compra e
venda de móveis ou semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na
mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso (CCom, art. 191. 2ª
alínea); 2) no direito fiscal avulta igualmente a importância da mesma
classificação. Apenas os imóveis se sujeitam ao pagamento do imposto
territorial e ao de transmissão, enquanto o de consumo e o de vendas e
consignações só recaem sobre bens móveis; 3) no direito penal só os móveis
podem ser objeto de furto e roubo (CP, arts. 155 e 157); 4) no direito
internacional privado, para qualificar os bens e regular as relações a eles
concernentes, aplicar-se-á a leis do país em que estiverem situados (LINDB,
art. 8º), todavia, aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o
proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a
transporte para outros lugares (LINDB, art. 8º, § 1º).
[14]
Caio
Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 269.
[15]
Clóvis
Beviláqua, Teoria, cit., p. 168; Francisco Amaral, Direito civil,
cit., p. 312.
[16] Torrente, Manuale di
diritto privato, p. 85, apud Washington de Barros Monteiro, Curso,
cit., v. 1, p. 154.
[17] Teoria,
cit., p. 168.
[18]
Alberto
Trabucchi, Commentario breve al Codice Civile, p. 758.
[19]
Silvio
Rodrigues, Direito civil, cit., v. 1, p. 134; Alberto Trabucchi, Commentario,
cit., p. 758-759.
[20]
Clóvis
Beviláqua, Teoria, cit., p. 175-176.
[21]
Francisco
Clementino San Thiago Dantas, Programa de direito civil, v. 1, p. 236; Francisco
Amaral, Direito civil, cit., p. 319-320.
[22]
Teoria, cit., p. 175.
[23]
Tanto
a conservação material como a jurídica constituem despesas ou benfeitorias
necessárias. A esse respeito é muito claro o Código Civil alemão, que se
refere, em seu § 995, às despesas para “liberar a coisa de seus ônus” (“die der
Besitzer zur Bestreitung von Lasten der Sache macht”), vale dizer, despesas de conservação
jurídica.
[24]
Arturo
Valencia Zea, La posesion, p. 374-375.
[25]
Wolff
e Raiser, Sachenrecht, cit., n. 86. A noção de que o conceito de
benfeitoria útil alcança os melhoramentos não necessários, mas que aumentam o valor
comercial da coisa, é pacífica na doutrina em geral (Cf. Planiol, Ripert e
Picard, Los bienes, in Tratado práctico de derecho civil francés).
[26] Renan Lotufo, Código
Civil, cit., p. 256.
Diniz.
Maria Helena, BENS JURÍDICOS - Parte
Geral do Direito Civil, 2007.
Lenza.
Pedro, Direito Civil I Esquematizado,
São Paulo: Saraiva, 2012.